2 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Publicado por Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL
Publicação
06/11/2020
Julgamento
3 de Novembro de 2020
Relator
Luiz Artur Hilário
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Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. CIRCULAÇÃO DA CÁRTULA. AUTONOMIA E ABSTRAÇÃO. CAUSA DEBENDI. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA INEXISTENCIA DA DÍVIDA.
Na ação monitória, fundada em cheque prescrito, torna-se desnecessária a demonstração da causa de sua emissão pelo autor da demanda, mas compete ao devedor, nos embargos monitórios, a possibilidade de comprovar a inexistência do débito.
A livre circulação do título de crédito impossibilita a oponibilidade das exceções pessoais que envolvam a causa debendi, em razão do princípio da autonomia e abstração dos títulos.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.20.503381-4/001 - COMARCA DE MONTES CLAROS - APELANTE (S): LUIZ CLAUDIO FERREIRA DE MELO - APELADO (A)(S): TRIGGUS INDUSTRIA, COMERCIO E DISTRIBUIDORA DE PRODUTOS ALIMENTICIOS LTDA. - EPP
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. LUIZ ARTUR HILÁRIO
RELATOR.
DES. LUIZ ARTUR HILÁRIO (RELATOR)
V O T O
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra a sentença encartada no evento n. 62, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Montes Claros, que nos autos da Ação Monitória ajuizada por LUIZ CLAUDIO FERREIRA DE MELO em face de TRIGGUS INDUSTRIA, COMERCIO E DISTRIBUIDORA DE PRODUTOS ALIMENTICIOS LTDA. - EPP, julgou improcedente o pedido deduzido na monitória e condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.
Insatisfeito com o pronunciamento de primeira instância, o autor interpõe recurso de apelação sustentando que não cuidou o requerido de comprovar o descumprimento da causa debendi da dívida, seja por vícios contratuais ou qualquer notificação do desacordo, ônus que lhe competia. Alega que a data da liberação da alienação fiduciária sobre o veículo, obrigação que o apelado afirmou não ter sido cumprida e ter dado azo ao desfazimento do negócio, estava prevista em contrato para ocorrer dois meses após o vencimento do cheque, contrariando sua alegação. Defende que nos termos da Súmula 299 do STJ, não se exige a demonstração da causa debendi para ajuizamento da ação monitória. Afirma que o art. 294 do CC/2002 permite a oposição das exceções pelo devedor somente contra o cedente, e jamais contra o cessionário.
Contrarrazões apresentadas no evento n. 70, rebatendo os fundamentos expostos no recurso e pugnando por seu desprovimento.
É O RELATÓRIO.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso aviado.
MÉRITO
Não há dúvida acerca da possibilidade de se buscar a constituição e reconhecimento de crédito vertido em documento desprovido de executividade por meio de ação monitória.
Tal pretensão encontra respaldo no artigo 700 do CPC/2015 que prescreve que "A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz: I - o pagamento de quantia em dinheiro; II - a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel; III - o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer".
Em se tratando de ação monitória fundada em cheque prescrito, é assente o entendimento segundo o qual é desnecessária a demonstração da causa de sua emissão pelo autor da demanda, reservando-se ao devedor a possibilidade de discutir a causa subjacente, atribuindo-lhe o ônus de comprovar a inexistência do débito.
Reconhece-se que no caso específico dos autos, houve a circulação da cártula de crédito emitida por TRIGGUS DISTRIBUIDORA P. A. LTDA. e tendo como tomador a ROTA CAR, já que o cheque foi endossado para PONTUAL FOMENTO MERCANTIL LTDA., que em razão de sua liquidação, o transferiu juntamente com os demais ativos para o sócio administrador, ora apelante.
Neste caso, filio-me à corrente jurisprudencial no sentido de que a livre circulação do título de crédito torna inoponível exceções pessoais que envolvam a causa debendi, em razão do princípio da autonomia e abstração dos títulos, ainda que o endosso cambial tenha ocorrido em contrato de factoring.
Esse é o entendimento mais recente consolidado no Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE "FACTORING". TRANSFERÊNCIA DO TÍTULO DE CRÉDITO. ENDOSSO CAMBIAL. EXCEÇÕES PESSOAIS. DECISÃO MANTIDA.
1. A jurisprudência consolidou-se no sentido de admitir a transferência do título de crédito - no presente caso um cheque - por endosso cambial nos contratos de "factoring" com todos os efeitos dele decorrentes. Precedentes: EREsp 1439749/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/11/2018, DJe 06/12/2018, e EDcl nos EREsp 1482089/PA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 02/12/2019.
2. Em tal contexto, inviável opor exceções pessoais à empresa de factoring, terceira de boa-fé, e discutir a causa debendi.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
( AgInt no AREsp 525.204/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CHEQUE. ENDOSSO À FACTURIZADA. CIRCULAÇÃO E ABSTRAÇÃO DO TÍTULO DE CRÉDITO. OPOSIÇÃO DE EXCEÇÕES PESSOAIS. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES. NÃO PROVIMENTO.
1. Na hipótese em que a transmissão do cheque à empresa de factoring operou-se por endosso, sem questionamento a respeito da boa-fé da endossatária, portadora do título de crédito, aplica-se ao caso as normas próprias do direito cambiário, relativas ao endosso e a circulação dos títulos, haja vista a operação desvincular-se da disciplina da cessão civil de crédito. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
( AgInt no REsp 1796917/MT, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 26/02/2020)
Desta forma, o endosso feito em favor de PONTUAL FOMENTO MERCANTIL LTDA. impede a arguição das exceções pessoais de que o emitente teria contra o tomador, em relação ao negócio jurídico que deu causa à emissão do título, pois ocorreu a circulação o título com o recebimento por terceiro de boa-fé, desvinculado da relação jurídica original.
No mesmo sentido é a orientação deste Tribunal de Justiça:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - CHEQUES SUSTADOS POR SUPOSTO INADIMPLEMENTO CONTRATUTAL - APLICAÇÃO DO CDC E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - DESCABIMENTO - EXCEÇÃO PESSOAL - NÃO OPOSIÇÃO AO TERCEIRO DE BOA FÉ - DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI APÓS CIRCULAÇÃO DO TÍTULO - IMPOSSIBILIDADE.
- Em se tratando de serviço de fomento mercantil, inaplicável o Código de Defesa do Consumidor, conforme já decidido pelo STJ.
- Não comprovação da descaracterização do contrato de factoring. O cheque é um título de crédito dotado de autonomia, motivo pelo qual quando colocado em circulação, através do endosso, desvincula-se de sua causa debendi.
- Por se desvincular da causa que deu origem a sua emissão, o inadimplemento contratual que acarreta na sustação dos cheques configura-se exceção pessoal que não pode ser oposta ao endossatário de boa-fé. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.19.110144-3/001, Relator (a): Des.(a) Adriano de Mesquita Carneiro, 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/10/0019, publicação da sumula em 24/10/2019)
Ainda que assim não fosse, o alegado descumprimento do negócio jurídico subjacente sequer foi comprovado pelo apelado, nos embargos monitórios.
Tratando-se os embargos monitórios de ação autônoma, cabe ao embargante comprovar fato constitutivo de seu direito, afastando a obrigatoriedade de pagamento do título que instrui a via monitória caso demonstrada a ausência de relação jurídica subjacente e a inexistência da dívida.
Neste sentido:
"(...) - Os embargos ao mandado monitório constituem ação autônoma, cabendo ao embargante, portanto, comprovar os fatos constitutivos do seu direito, dentre eles, as alegações de ausência de relação jurídica entre as partes e de não prestação dos serviços objeto do contrato que instrui o feito monitório. (TJMG. Proc. 1.0040.11.004711-1/001. Des.Rel. Mariangela Meyer. Dje 02/04/2014).
Na hipótese dos autos, o apelado juntou o contrato de compra e venda firmado em 21/03/2012 que deu origem à emissão do Cheque n.º 1145, para o dia 02/02/2013, no valor de R$5.660,95 (cinco mil, seiscentos e sessenta reais e noventa e cinco centavos), dado como última parcela pela aquisição de dois veículos Fiat Uno Mille Economy, ambos com alienação fiduciária a favor de FMC Veículos Ltda.
Segundo o apelado, o pagamento do cheque previsto para 02/02/2013 foi sustado porque não ocorreu o levantamento do gravame da alienação fiduciária, impedindo da transferência dos veículos. Alegou, ainda, que teve que entregar os veículos por ordem judicial, arcando com o prejuízo.
A despeito das alegações do apelado, nenhuma prova foi produzida quanto ao desfazimento do negócio, ou mesmo quanto à alegada apreensão judicial do veículo.
Por outro lado, o próprio contrato previu que a quitação ou a substituição da garantia se faria" até 27 de Abril de 2013, com tolerância de 30 dias após o prazo devido a burocracias de bancos e financeiras para baixa dos veículos totalmente, com total responsabilidade da empresa vendedora, IM VEÍCULOS LTDA ". Desta forma, não justifica a sustação do cheque com vencimento em 02/02/2012 pelo argumento de descumprimento de uma obrigação a ser cumprida em 27/04/2013.
Desta forma, por qualquer ângulo que se analise a questão, seja pela efetiva circulação do título a terceiro de boa-fé, seja pela ausência de prova do desfazimento do negócio jurídico subjacente, não há como acolher os embargos monitórios.
DISPOSITIVO
Com essas considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para julgar improcedentes os embargos à ação monitória; e procedente o pedido inicial, constituindo, de pleno direito, em título executivo judicial o cheque número 001145, no valor original de R$5.660,96 (cinco mil, seiscentos e sessenta reais e noventa e seis centavos) determinando o regular prosseguimento do processo nos termos do art. 701, § 8º do CPC/2015. Sobre a referida quantia, incidirá correção monetária, pelos índices da tabela da CGJ, a contar de sua emissão e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da primeira apresentação do cheque.
Condeno a parte recorrida no pagamento das custas processuais - inclusas as recursais - e nos honorários advocatícios, os quais majoro para 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.
É como voto.
DES. AMORIM SIQUEIRA - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. FAUSTO BAWDEN DE CASTRO SILVA (JD CONVOCADO) - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA:"DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"