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18 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL

Publicação

Julgamento

Relator

Antônio Bispo
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Inteiro Teor



EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DO CONSUMIDOR - REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS - ART. 25 DO ADCT - LEI 4.595/64 - AUSÊNCIA DE REVOGAÇÃO - JUROS REMUNERATÓRIOS - CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS - SEGURO - REPETIÇÃO DO INDÉBITO.

1. A jurisprudência é fonte do Direito e, como tal, deve ser aplicada pelos Juízes e Tribunais, o que foi fortalecido pelo CPC/15. 2. O artigo 25 do ADCT não revogou a Lei nº 4.595/64, estando ela vigente até mesmo na parte que regulamenta o Sistema Financeiro Nacional e descreve os órgãos e entidades que lhe integram. 3. A análise da Turma Julgadora deve se limitar às questões efetivamente debatidas nas razões recursais. 4. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros - 12% ao ano - que foi estipulada na Lei de Usura. 5. Será considerada abusiva a taxa de juros quando ultrapassar substancialmente a taxa média cobrada pelo mercado. 6. É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000, desde que expressamente pactuada. 7. A cobrança de seguros em contratos de financiamento será reputada legal quando o consumidor for livre para optar por sua contratação, bem como para escolher a seguradora. 7. A repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor.

(Vv) APELAÇÃO - CONTRATO BANCÁRIO - CÓDIGO CIVIL - CDC - INAFASTABILIDADE - REQUISITOS DE VALIDADE - AUSÊNCIA - ILÍCITO - PRONUNCIAMENTO JUDICIAL - DEVER DE OFÍCIO. Ainda que não se reconheça a revogação da Lei 4.595/64, os contratos "bancários" estão sujeitos às regras do negócio jurídico conforme se vê do Código civil, submetendo-se também aos requisitos do Código de Defesa do Consumidor. Ausente qualquer dos requisitos do artigo 166 do Código Civil, os negócios jurídicos são nulos de pleno direito. Pela dicção do Parágrafo único do artigo 168 do Código Civil, "as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes".

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.21.063634-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE (S): MANOEL NOGUEIRA DE OLIVEIRA FILHO, BANCO BMG S/A - APELADO (A)(S): MANOEL NOGUEIRA DE OLIVEIRA FILHO, BANCO BMG S/A

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO SEGUNDO RECURSO, VENCIDO O RELATOR. REJEITAR A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA SUSCITADA PELO RELATOR. NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO APELO, VENCIDO PARCIALMENTE O RELATOR.



DES. ANTÔNIO BISPO

RELATOR



DES. ANTÔNIO BISPO (RELATOR)



V O T O

MANOEL NOGUEIRA DE OLIVEIRA FILHO e BANCO BMG S/A apelaram contra a v. sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação revisional ajuizada em desfavor da pessoa jurídica.

Na inicial o autor, após pedir a concessão da justiça gratuita e prioridade na tramitação do feito, narrou que é aposentado, recebendo o valor equivalente à um salário mínimo, sustentando-se com essa renda.

Informou, também, que firmou dois contratos de empréstimo com o réu, para pagamento por desconto na conta em que recebe a sua aposentadoria, com juros de 18.01% ao mês e 18% ao mês respectivamente.

Para o autor as taxas praticadas nas duas operações são abusivas, ensejando revisão, esta a razão do pedido pela incidência do CDC na espécie, com inversão do ônus da prova, apontando, também, seu direito à informação, garantido pela mesma Lei.

Pediu a declaração da nulidade do seguro cuja cobrança se atrela aos contratos, por se tratar de venda casada, além da adoção da taxa média de mercado nos contratos impugnados, para a situação de normalidade e, quanto aos encargos de mora que deve ser revisto, aplicando-se a soma dos juros contratados e multa, livre de cumulação, além da utilização do INPC a título de correção monetária.

Em tutela antecipada, pediu pelo direito de efetuar o depósito das parcelas pelo valor incontroverso, a preservação do seu nome e a imediata suspensão dos descontos tais como efetuados, sob pena de multa. Por fim, pugnou pela restituição do indébito na forma do parágrafo único do artigo 43 do CDC.

A gratuidade foi concedida e indeferidos os pedidos antecipatórios, deixando de designar audiência de conciliação, uma virtude da suspensão advinda das Portarias, 952,963 e 976 2020.

O banco contestou e o autor impugnou a peça de defesa, vindo um despacho instando as provas a especificarem as provas de seu interesse, tendo o autor requerido a produção de perícia contábil.

Foi proferido o saneador, rejeitando as preliminares suscitadas pelo banco, indeferindo a inversão do ônus da prova e a produção de prova, porque desnecessárias.

A sentença, com base na jurisprudência, limitou os juros remuneratórios de cada contrato a 6,65% ao mês, capitalizados e declarando a nulidade da cobrança efetuada em razão do seguro, com restituição do indébito devida mente corrigida, admitida a compensação de débitos e créditos.

O autor apelou, apontando a ausência de expressa pactuação, no contrato, da capitalização dos juros, o que fere o princípio da informação, pedindo a exclusiva condenação do banco ao pagamento das verbas de sucumbência.

O banco também apelou, pedindo a reforma da sentença, para que seja reconhecida a legalidade dos contratos e mantidos os termos neles pactuados, afirmando que o crédito pessoa com débito em conta configura uma operação de risco, o que a taxa média de juros consubstancia mero parâmetro para a estipulação deste acréscimo.

Defendendo a legalidade também do seguro, destacando que referida cobrança se fez por livre opção do autor, o que afasta a figura da venda casada. Quanto à repetição do indébito, defendeu a inaplicabilidade deste comando, com amparo nos argumentos tecidos.

Preparo recolhido.

Contrarrazões do banco sem preliminares e do autor, com preliminar de não conhecimento do recurso, porquanto arguidas teses genéricas pela parte ré.

PRELIMINAR DE CONTRARRAZÕES - NÃO CONHECIMENTO DO SEGUNDO RECURSO

Não merece ser conhecido o recurso que não ataca diretamente os pontos abordados na sentença.

Na espécie, a sentença decotou a cobrança do seguro com base no CDC e, nas razões do segundo recurso, este fundamento não foi rebatido, na verdade, sequer foi ventilada esta vedação legal.

O outro aspecto contratual abordado na sentença foram as taxas de juros remuneratórios contratados, tendo a decisão se baseado na taxa média de mercado, após reconhece-la como mero parâmetro, sem força vinculativa; contudo, destacou a distância havida entre a taxa média e aquela efetivamente praticada, localizando no exagero dos percentuais previstos no contrato, a razão para a limitação dos mesmos.

O banco, em seu apelo não tratou do desacordo verificado entre os percentuais ora tratado e, mesmo ainda, buscou afastar a respectiva abusividade, arguindo singelamente, que os contratos litigados encartam operação de risco.

O efeito devolutivo da apelação transfere ao Tribunal o conhecimento somente das matérias impugnadas nos parâmetros em que suscitadas, existindo exceção a esse regra, hábil a autorizar o exame das questões de ordem pública; contudo, sem as razões e/ou pedido de nova decisão, não há como saber qual foi a matéria devolvida, de modo que não se admite a argumentação genérica.

Em vista do exposto ACOLHO A PRELIMINAR para deixar de conhecer do segundo recurso.

Vencido, conheço de ambos os recursos examinando-os em decisão única, devido à semelhança da matéria.

DES. JOSÉ AMÉRICO MARTINS DA COSTA

PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO SEGUNDO RECURSO POR AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE - SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES

Peço vênia ao eminente relator, Desembargador Antônio Bispo, para rejeitar a preliminar.

Para que seja admitida uma impugnação interposta, além dos requisitos supracitados, devem ser observados os princípios que norteiam os recursos processuais. Um deles diz respeito ao ônus de o recorrente motivar o recurso no ato de sua interposição, princípio esse denominado "Princípio da Dialeticidade".

Nesse tocante, ensina Araken de Assis:

"Recurso desprovido de causa hábil para subsidiar o pedido de reforma, de invalidação ou de integração do ato impugnado, à semelhança da petição que forma o processo, ou através da qual partes e terceiros deduzem pretensões, in simultâneo processu, revela-se inepto.(ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos - 5 ed. rev. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013)."



Em análise aos autos, verifica-se que a parte ré apela, aduzindo acerca da legalidade dos juros pactuados e do seguro contratado, defendendo, ainda, a impossibilidade de repetição do indébito.

Assim sendo, observa-se que razão não assiste à apelada, pois o recurso impugna os fundamentos da sentença.

Dessa feita, rejeita-se a preliminar suscitada.

DES. OCTÁVIO DE ALMEIDA NEVES

Preliminar de Não Conhecimento do Segundo Recurso

Peço vênia ao Relator, eminente Desembargador Antônio Bispo, para acompanhar a divergência instaurada pelo Primeiro Vogal, eminente Desembargador José Américo Martins da Costa, e rejeitar a preliminar.

SESSÃO DE 10/06/2021

DES. MAURÍLIO GABRIEL

Em razão da divergência nos votos proferidos, determino a suspensão do julgamento, para que sejam observadas as determinações do artigo 942, do Código de Processo Civil.



SESSÃO DE 07/10/2021

DES. MAURÍLIO GABRIEL

Rejeito a preliminar de não conhecimento do segundo recurso, nos termos do voto prolatado pelo ilustre 1º Vogal, Desembargador José Américo Martins da Costa.

JD. CONVOCADO FERRARA MARCOLINO

NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO

Peço vênia ao E. Relator para acompanhar o voto do E. Primeiro Vogal.

DES. ANTÔNIO BISPO (RELATOR)

PRELIMINAR DE OFÍCIO - NULIDADE DA SENTENÇA

Considerando que postular com base na lei, se defender com base na lei e decidir com a lei é pilar fundamental do nosso sistema jurídico, se torna inócua a intimação das partes nos termos do artigo 10 do Código de Processo Civil.

Este voto, no cumprimento do dever funcional, (artigo 35 da LC 35/79) tem também o objetivo de denunciar a distorção no alcance da interpretação do ordenamento jurídico, eis que a lei vem sendo substituída por jurisprudência pretensamente dotada de caráter de regra geral e abstrata para regular a vida social.

Em regra, as sentenças se fundam primordialmente em decisões proferidas pelos Tribunais Superiores, como se fossem estas substitutivas da LEI. As ementas destacadas, contudo, não contém os requisitos dos incisos e parágrafos do artigo 489 do CPC e, portanto, não têm nenhum valor no mundo jurídico já que além não reunir características de regra geral e abstrata apta a regular a vida social, são destituídas da fundamentação substancial com base no ordenamento jurídico pátrio, com aquelas características erga omnes.

Até mesmo as Súmulas Vinculantes, quando não revestidas dos objetivos do § 1º, do artigo 103, A, da Constituição Federal, também não vinculam a ninguém posto que o que vale é a lei em sua interpretação.

Esta qualidade de fundamentos, ou a ausência de qualquer fundamento, como no caso da v. sentença recorrida, que não indicou a norma legal de cujo teor se retira a conclusão expressa no dispositivo, não atende as exigências do artigo 489 do CPC e, assim, a sentença tem que ser declarada nula, por que não é fundamentada.

Saliento, por final, nesse preâmbulo, que a declaração de nulidade da sentença não é um posicionamento pessoal do Julgador e nem atenta contra a autonomia dos juízos, já que os mesmos (requisitos da sentença) são objetivos.

Além do mais, o CPC atual aboliu o livre convencimento motivado que incidia na avaliação da prova e o juiz não têm alternativa a não ser o ordenamento jurídico, para fundamentar as suas decisões, consoante o Código de Ética da Magistratura, disponível no sitio do CNJ;

"Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais." (Artigo 4º)

Chiovenda1, "ensina que a sentença é a afirmação da vontade da lei aplicada ao caso concreto."

Esse comando, que tem por finalidade compor a lide, traduz a vontade da lei na sua aplicação à espécie decidida, pelo que produz efeitos declaratórios, constitutivos ou condenatórios, em correspondência às ações em que é proferido.

Nas sentenças meramente declaratórias, o seu resultado tende a simples declaração da existência de relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de documento. Com a declaração de certeza se satisfaz a pretensão do autor.

O efeito meramente declaratório retroage à época em que se formou a relação jurídica ou em que se verificou a situação jurídica declarada. E tem, pois, efeito ex tunc.

A sentença condenatória contém uma declaração de certeza da existência da relação jurídica, a que acrescenta um quid, consistente na atribuição ao vencedor do direito de execução contra o vencido.

As sentenças constitutivas correspondentes às ações constitutivas produzem o efeito de criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Há nelas uma declaração de certeza do direito preexistente, das condições necessárias e determinadas em lei, para se criar nova relação, ou alterar a relação existente e aí se manifesta a função declaratória, comum a todas as sentenças.

Acrescentam a criação, a modificação ou extinção da relação jurídica, como decorrência daquela declaração, nisso consistindo o efeito específico, que as caracteriza. Efeito constitutivo.

As sentenças constitutivas têm efeito "ex nunc", isto é: para o futuro; efeito que se produz a partir do trânsito em julgado.

A discussão relativa ao conteúdo das cláusulas do contrato enseja uma ação constitutiva, para que a prestação jurisdicional emita uma declaração de certeza de relação ou situação jurídica pré-existente, criando uma nova relação, ou modificando-a, ou extinguindo-a.

Dela deverá resultar uma declaração de certeza do direito preexistente, das condições necessárias e determinadas em lei para se criar nova relação, ou alterar a relação existente, e aí se manifesta a função declaratória comum a todas as sentenças, mesmo aquelas proferidas em sede de embargos.

Nos casos previstos em lei, como no dos vícios do Livro III, Título II, do Código Civil, por exceção, os efeitos das sentenças constitutivas são "ex tunc", retroagem.

Assim, diante de pedido que tem por objetivo final rever as cláusulas de um contrato, o magistrado não pode se esquivar do dever funcional (artigo 35 da LC 35/79), de pronunciar acerca das nulidades, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las ainda que a requerimento das partes (artigo 166, Parágrafo Único, do Código Civil)

Insta salientar que "o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo". (artigo 169 do Código Civil)

Lopes da Costa, destacado dentre outros doutrinadores, por Amaral Santos2 leciona:

"O preceito da motivação é de ordem pública. Ele é que põe a administração da Justiça a coberto da suspeita dos dois piores vícios que possam mancha-la: o arbítrio e a parcialidade."

Da leitura da sentença ora recorrida não se vislumbra o devido enquadramento de ordenamento jurídico, utilizado para o resultado consignado no seu dispositivo.

Os fundamentos jurisprudenciais invocados também não se fundam na análise objetiva dos fatos à luz da Constituição e sob o império de atos normativos válidos e emanados do Poder Competente.

A propósito, da leitura dos votos que resultaram nas ementas das súmulas citadas, não se encontra qual o fundamento legal do caso escolhido para resultar naquelas ementas, as quais vêm sendo citadas como se fossem a regra geral e abstrata apta a regular a vida social.

É digno de nota esclarecer que nem mesmo o Código de Processo Civil, que na dicção de alguns, instituiu entre nós um sistema de precedentes, ordenando a observação da jurisprudência, tem esta conotação de obrigatoriedade.

A uma, porque observar não significa dever, a duas, porque a jurisprudência a ser observada é aquela fixada nos incidentes de resolução de demandas repetitivas ou incidente de assunção de competência e ambas ensejam circunstância exclusivamente de direito.

Por questão de direito, capaz de vincular o julgador pela absoluta ausência de definição no texto legal, deve ser tomado por analogia os limites da Súmula Vinculante disposto no esquecido § 1º, do artigo 103-A, que transcrevo para facilitar a compreensão:

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

A conotação que se tem dado à jurisprudência citada nem de longe diz respeito a esse objetivo de validade, interpretação e eficácia de norma determinada.

Ademais, são precedentes que foram invocados sem indicar seus fundamentos determinantes e sem demonstrar que o caso em julgamento se ajusta a eles (inciso V, do artigo 489, do CPC/2015)

Há de se enfatizar que nem mesmo o inciso I, do referido artigo 489, do CPC, foi atendido, posto que da leitura da decisão recorrida, sequer os requisitos básicos do negócio jurídico foram examinados, já que o mútuo feneratício depende para sua validade da formalidade exigida na norma penal em branco, artigo do artigo 7.492/86, que não foi examinada.

Ainda no contexto do artigo 926 do Código de Processo Civil que trata da uniformização da jurisprudência, vê-se que além de uniforme, ela deve ser estável, que significa não ser alterada em razão de posicionamento ou entendimento passageiro.

Deve ser integra e por integridade significa que ela deve avaliar todas as hipóteses pertinentes à solução do litígio e a hipótese legal é a principal, que vem sendo substituída pelos precedentes que não a consideram.

E por fim, a jurisprudência deve ser coerente. Coerente com o ordenamento jurídico e não com os romances oriundos da compilação de entendimentos de casos supostamente análogos.

Isto posto e de acordo com os artigos e , da LINDB, assim como o artigo 35, da LC35/79, e artigo , do Código de Processo Civil, deixo de considerar a jurisprudência eventualmente invocada pelas partes, a qual não tem por objeto a interpretação e validade das normas, nem se referem à eficácia normativa determinada a incidir no caso em questão.

Em vista disso, declaro de ofício a nulidade da sentença; porém, à luz do artigo 1.013, § 3º, IV do CPC, passo ao exame do mérito da causa.

DES. JOSÉ AMÉRICO MARTINS DA COSTA

DA ARGUIÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO/REVOGAÇÃO DA LEI 4.595/64 PELA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Passo à análise da tese defendida pelo eminente relator, segundo a qual o Sistema Financeiro Nacional brasileiro estaria funcionado sem autorização legal há cerca de 30 anos. Em razão disso qualquer contrato firmado com uma instituição financeira seria nulo. O equivocado entendimento viola flagrantemente a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e elimina toda a atividade financeira realizada no país após a Constituição de 1988, evidenciando seu distanciamento do ordenamento jurídico.

Advirto, inicialmente, que esta questão deve ser examinada separadamente do mérito recursal, pois implica em definir qual a legislação aplicável ao caso dos autos. E assim o faço segundo a teoria dos capítulos de sentença, para a qual, embora a decisão judicial seja una em seu aspecto formal, pode abrigar diversos temas decisórios quando analisada sob o aspecto material, o que permite sua decomposição no momento do julgamento. É essa característica que permite que os membros de um colegiado votem separadamente, por exemplo, a existência de um ato ilícito, a consequente caracterização de dano material, sua quantificação, a ocorrência de dano moral, o valor devido para sua compensação, os consectários da sucumbência etc.

No Brasil, a teoria dos capítulos da sentença recebeu tratamento doutrinário pelos processualistas José Carlos Barbosa Moreira e Cândido Rangel Dinamarco, tendo este último dedicado obra clássica ao tema, na qual registra que capítulo da sentença é:

"[...] uma unidade elementar autônoma, no sentido de que cada um deles expressa uma deliberação específica; cada uma dessas deliberações é distinta das contidas nos demais capítulos e resulta da verificação de pressupostos próprios, que não se confundem com os pressupostos das outras (DINAMARCO. Cândido Rangel. Capítulos da sentença. São Paulo: Malheiros, 2002 p. 34)".

Logo, é possível a decomposição do voto proferido pelo relator, possibilitando aos demais julgadores a análise separada das matérias que constituem capítulos distintos e autônomos, como no presente caso, em que foi suscitada pelo eminente julgador uma questão constitucional, preliminar à análise das razões recursais, que tratam sobre supostas abusividades praticadas por instituição financeira.

A questão da conformação de uma lei à Constituição pode ser analisada sob o aspecto formal, quando há vício no processo de formação da lei ou ato normativo, seja na iniciativa (vício formal subjetivo) ou nas fases posteriores (vício formal objetivo). Outrossim, a inconstitucionalidade de uma lei pode se dar no aspecto material, quando seu conteúdo não se coaduna com o texto constitucional.

No caso dos autos, o eminente relator afirma que a Lei 4.595/64 teria sido revogada pela Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Segundo seu raciocínio, com a revogação da Lei 4.595/64 e por não ter sido editada Lei Complementar para regulamentar o sistema financeiro nacional, não existiria nenhuma instituição financeira com capacidade jurídica para atuar no Brasil.

Por esse motivo principal - repita-se, a revogação da Lei 4.595/64 pelo texto constitucional - qualquer contrato firmado com uma instituição financeira seria nulo, pois firmado com agente incapaz, além de configurar crime, conforme art. da Lei 7.492/86.

Assim, o fundamento do voto proferido pelo eminente relator para declarar a nulidade do contrato é a suposta incompatibilidade da Lei 4.595/64 com a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Ou seja, parte-se de um fundamento de índole constitucional para se chegar à tese de que os contratos firmados com instituições financeiras no Brasil são nulos, por ausência de capacidade jurídica.

Portanto, antes analisar a legalidade do contrato firmado entre as partes, é necessário que a Câmara se pronuncie sobre a questão constitucional suscitada pelo eminente relator, examinando se houve a alegada não recepção ou revogação da Lei 4.595/64 pelo texto constitucional de 1988.

Embora o eminente relator tenha tratado sobre a suposta revogação como questão meritória, trata-se, evidentemente, de matéria cuja análise antecede a análise do mérito, sendo imprescindível seu exame pela Turma Julgadora, em sede de preliminares.

Feito este breve e necessário esclarecimento, peço vênia ao eminente relator, Desembargador Antônio Bispo, para divergir do capítulo de seu voto no qual concluiu que a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 não teria recepcionado a Lei 4.595/64, circunstância que, a seu ver, levaria à equivocada conclusão de que as instituições financeiras não possuem autorização legal para atuar no Brasil.

Para demonstrar o equívoco da conclusão do eminente relator, destaco que seu entendimento já foi afastado pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal representada pelos julgados a seguir listados:

* ADI nº. 4, Rel. Min. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 7.3.1991: "Em consequência, não são inconstitucionais os atos normativos em questão (Parecer da Consultoria Geral da República, aprovado pela Presidência da República e Circular do Banco Central), o primeiro considerando não autoaplicável a norma do parágrafo 3º sobre juros reais de 12 por cento ao ano, e a segunda determinando a observância da legislação anterior à Constituição de 1988, até o advento da Lei Complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional".

* Ag. Reg. RE. 816.231/MG , Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24.2.2017: "O art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não revogou a Lei nº 4.595/1964".

* Ag. Reg. RE. 435.278, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 6.3.2012: "A jurisprudência desta Corte fixou orientação no sentido de que o art. 25 do ADCT, ao determinar a revogação de todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, tornou insubsistentes, perante a nova ordem constitucional, apenas as delegações anteriormente concedidas, sem, contudo, invalidar os diplomas normativos editados sob a ordem constitucional precedente com fulcro nas atribuições delegadas".

* RE XXXXX/MG , Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7.11.2011: "O artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT não revogou a Lei n. 4.595/64, nos termos da jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal".

* Recurso Extraordinário nº. 637.787, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 3.5.2011: "Este Supremo Tribunal Federal assentou que o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não revogou a Lei n. 4.595/64".

* Ag. Reg. RE. XXXXX AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 24.11.2009: "O art. 25 do ADCT não revogou a Lei 4.595/64".

* Recurso Extraordinário nº. 286.963, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 24.5.2005: "Portanto, não há falar em revogação da Lei 4.595/64".

Não sendo a jurisprudência consolidada do STF bastante para refutar a equivocada tese do eminente relator, passo à análise minuciosa do que foi decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4 e no Recurso Extraordinário nº 286.963, que representam a jurisprudência pacífica da suprema corte sobre o tema.

A leitura das ementas destes julgados é insuficiente, na visão do eminente Desembargador Antônio Bispo, pois não permite extrair a ratio decidendi adotada pelos julgadores. Vale a ressalva de que a parte que possui efeito vinculante de um precedente é justamente sua ratio decidendi, funcionando a ementa como mero resumo.

Até porque os precedentes não podem ser encarados como ready-made reasons, ou seja, como razões pré-elaboradas para decisões futuras, e nem como atalhos a serem seguidos pelo juiz (shorcuts to reason).

Logo, a autoridade de um precedente não reside no condão que ele possui de facilitar os julgamentos futuros, por meio de enunciados gerais e abstratos que podem invadir o campo de atuação do legislativo. Pelo contrário, a autoridade de um precedente deve ser buscada a partir das razões que levaram o Tribunal a decidir de uma maneira, as quais devem ser extraídas a partir da análise do caso julgado, com suas particularidades fáticas e jurídicas.

Reconhece-se, assim, que o conceito de ratio decidendi tem que ser levado a sério porque é ela, a ratio decidendi, que fundamenta a necessidade de observar os precedentes (stare decisis). Ou seja, é a razão de decidir que conecta um caso passado com o caso futuro que será analisado.

Feitas estas ressalvas sobre a importância de identificar as razões de decidir de um precedente, passamos a analisar o conteúdo da decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.

Referida ADI foi interposta pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT, com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade do Parecer SR nº 70, exarado em 6 de outubro de 1988 - no dia seguinte à promulgação da CRFB/88 - pela Consultoria-Geral da República e aprovado pelo Presidente da República.

Segundo o parecer questionado, todo o artigo 192 do novo texto constitucional possuía eficácia limitada e condicionada, dependente de intervenção legislativa infraconstitucional para entrar em vigência. Como solução para essa ausência de eficácia plena, o Parecer impugnado sugeria a observância da legislação anterior à Carta Federal, até o advento da lei complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional, o que foi aprovado pelo Presidente da República e determinado em Circular do Banco Central.

Ao julgar a ADI nº 4, o Supremo declarou a constitucionalidade do Parecer, pois o artigo 192 era, de fato, de eficácia limitada. Logo, o Supremo endossou a aplicação da Lei 4.595/64. Até porque seria inimaginável um país em que o Sistema Financeiro não estivesse regulado por lei alguma. Obviamente, o Código Civil é insuficiente para regular as complexas relações jurídicas firmadas no âmbito do Sistema Financeiro.

Os itens 6 e 7 da ementa deste julgado elucidam bem a questão, nos seguintes termos:

"[...] 6. Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do sistema financeiro nacional (art. 192), estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância do que determinou no"caput", nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isolada do disposto em seu parágrafo 3º, sobre taxa de juros reais (12 por cento ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tratamento global do sistema financeiro nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas as normas do"caput", dos incisos e parágrafos do art. 192, é que permitirá a incidência da referida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em tal diploma.

7. Em consequência, não são inconstitucionais os atos normativos em questão (Parecer da Consultoria Geral da República, aprovado pela Presidência da República e Circular do Banco Central), o primeiro considerando não autoaplicável a norma do parágrafo 3º sobre juros reais de 12 por cento ao ano, e a segunda determinando a observância da legislação anterior à Constituição de 1988, até o advento da Lei Complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional.

8. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade julgada improcedente, por maioria de votos.

(ADI 4, Relator (a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/03/1991, DJ XXXXX-06-1993 PP-12637 EMENT VOL-01709-01 PP-00001 - Ênfase acrescentada)".

Portanto, é possível extrair do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4 a seguinte razão de decidir: a regulamentação de todo o Sistema Financeiro Nacional, incluindo a limitação de juros, depende de Lei Complementar. Como consequência, é válida a aplicação da Lei 4.595/64 até a promulgação da Lei Complementar sobre o tema.

Anos após, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 286.963 analisou novamente a constitucionalidade da Lei 4.595/64, dessa vez a partir do artigo 25 do ADCT, que assim dispõe:

"Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa;

II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie".

O Recurso Extraordinário 286.963 foi interposto contra acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, que admitiu a revogação da Lei 4.595/64 pelo artigo 25 do ADCT. Em razão da revogação, o acórdão entendeu que a Lei de Usura teria recuperado sua vigência, atingindo as operações das instituições financeiras.

O julgamento do Recurso Extraordinário 286.963 recebeu a seguinte ementa:

"EMENTA: Conselho Monetário Nacional: competência para dispor sobre a taxa de juros bancários: ADCT/88, art. 25: L. 4.595/64: não revogação.

1. Validade da aplicação ao caso, da L. 4.595/64, na parte em que outorga poderes ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre as taxas de juros bancários, uma vez que editada dentro do prazo de 180 dias estipulado pelo dispositivo transitório, quando o Poder Executivo possuía competência para dispor sobre instituições financeiras e suas operações: indiferente, para a sua observância, que tenha havido ou não a prorrogação admitida no art. 25 do ADCT; portanto, não há falar em revogação da Lei 4.595/64.

2. RE provido, para determinar que o Tribunal a quo reaprecie a demanda tendo em conta o disposto na L. 4.595/64.

( RE XXXXX , Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 24/05/2005, DJ XXXXX-10-2006 PP-00063 EMENT VOL-02252-03 PP-00563 LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 190-214)".

Ainda que a ementa acima seja bastante clara, é necessário analisar, mais uma vez, os fundamentos do acórdão para identificar as razões de decidir adotadas pelo Supremo Tribunal Federal. Para o relator, Ministro Sepúlveda Pertence, o art. 25 do ADCT revogou apenas a competência atribuída ou delegada a órgão do Poder Executivo pela legislação pré-constitucional e não as normas editadas quando vigente a delegação. Tanto é que o eminente Ministro relator deu provimento ao Recurso Extraordinário para determinar que o Tribunal a quo reapreciasse a demanda tendo em conta o disposto na Lei 4.595/64.

No desenvolvimento das deliberações no órgão colegiado, o Ministro Sepúlveda Pertence explicou que, na ADI nº. 4, o STF já tinha declarado constitucional a Circular do Banco Central que mandava aplicar a Lei 4.595/64. Ainda, explicou que as prorrogações do prazo previsto no artigo 25 do ADCT eram irrelevantes, uma vez que a competência do Presidente, que mandou aplicar o Parecer do CGR, foi exercida dentro dos 180 dias que tratava o art. 25 do ADCT.

Assim, o relator concluiu que seria irrelevante analisar as prorrogações do prazo previsto no artigo 25 do ADCT, uma vez que o Presidente da República exerceu sua competência nos primeiros 180 dias e determinou a observância da Lei 4.595/64 até que seja editada a Lei Complementar regulamentando o Sistema Financeiro Nacional.

Adotando este entendimento, o relator foi acompanhado pelos Ministros Eros Grau e Cezar Peluso.

O julgamento não foi unânime, pois o Ministro Marco Aurélio opôs divergência, por entender que a última Lei que prorrogou o prazo de 180 dias do artigo 25 do ADCT (Lei 9.069/95) era inconstitucional e, por essa razão, já teria se implementado o prazo em que eram válidos atos do executivo sobre matéria de competência do Congresso Nacional. Assim, estaria revogada a competência dada ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre juros, competência esta dada pelo artigo , IX, da Lei 4.595/64.

Apesar de o voto divergente do Ministro Marco Aurélio ter sido acompanhado pelo Ministro Carlos Britto, restou vencido pelo voto proferido pelo relator, Ministro Sepúlveda Pertence.

Dessa maneira, o voto vencedor proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence e acompanhado pelos Ministros Eros Grau e Cezar Peluso, adotou a seguinte razão de decidir: o art. 25 do ADCT revogou apenas a competência atribuída ou delegada a órgão do Poder Executivo pela legislação pré-constitucional e não as normas editadas quando vigente a delegação. Mantendo-se válidas as normas editadas enquanto vigia a delegação, deveria ser observado ato do Presidente da República que, nos primeiros 180 dias após a promulgação da Constituição, aprovou o Parecer SR 70 da Consultoria-Geral de República, assim como deveria ser observada a Circular do Banco Central que determinou a observância da legislação anterior à Constituição de 1988, até que seja editada a Lei Complementar regulamentando o Sistema Financeiro Nacional.

Assim, pode-se concluir que o Supremo Tribunal Federal já analisou a constitucionalidade da Lei 4.595/64 sob dois fundamentos diversos. Nas duas oportunidades (ADI nº. 4 e RE nº. 286.963), concluiu pela sua constitucionalidade, seja porque ainda não foi editada Lei Complementar para regulamentar o Sistema Financeiro Nacional, seja porque o Presidente da República enquanto possuía delegação para tratar sobre o tema, aprovou o parecer da Consultoria-Geral da República.

O fato é que o Supremo Tribunal Federal vem afirmando reiteradamente a validade da Lei 4.595/64 na parte em que delega ao Conselho Monetário Nacional a atribuição para limitar juros. Veja-se, por exemplo, a interpretação que o próprio Supremo Tribunal Federal vem dando aos julgados citados:

"Este Supremo Tribunal Federal assentou que o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não revogou a Lei n. 4.595/64.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

"Conselho Monetário Nacional: competência para dispor sobre a taxa de juros bancários: ADCT/88, art. 25: L. 4.595/64: não revogação. 1.Validade da aplicação ao caso, da L. 4.595/64, na parte em que outorga poderes ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre as taxas de juros bancários, uma vez que editada dentro do prazo de 180 dias estipulado pelo dispositivo transitório, quando o Poder Executivo possuía competência para dispor sobre instituições financeiras e suas operações: indiferente, para a sua observância, que tenha havido ou não a prorrogação admitida no art. 25 do ADCT; portanto, não há falar em revogação da Lei 4.595/64. 2.RE provido, para determinar que o Tribunal a quo reaprecie a demanda tendo em conta o disposto na L. 4.595/64"( RE 286.963 /MG, Rel. Min Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 20.10.2006, grifos nosso).

"CONSTITUCIONAL. TAXA DE JUROS BANCÁRIOS. ART. 25 DO ADCT: NÃO REVOGAÇÃO DA LEI 4.595/64. 1. O art. 25 do ADCT não revogou a Lei 4.595/64. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido"(RE 395.171-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 11.12.2009).

E ainda, as seguintes decisões monocráticas: RE 593.993 , Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 23.9.2009; RE 599.552 , Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 2.6.2009; e AI 693.702 , Rel. Min. Menezes Direito, DJe 26.8.2008.

Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.

6. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), para determinar que o Tribunal de origem, observando a vigência da Lei n. 4.595/64, aprecie a matéria como de direito.

( RE XXXXX , Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 03/05/2011, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 26/05/2011 PUBLIC 27/05/2011)".

Também:

"DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário em que se alega violação do art. 192, § 3º, da Constituição federal e do art. 25 do ADCT. O acórdão recorrido julgou abusiva a taxa de juros aplicada em contrato de crédito celebrado entre agravante e agravados e limitou-a ao índice anual de 12%, baseado, primeiro, na auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º e, segundo, por entender revogado pelo art. 25 do ADCT o inciso IX do art. da Lei 4.595/1964, que atribui ao Conselho Monetário Nacional a regulação da mencionada taxa. Quanto à limitação dos juros fundada na auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, esta Corte, no julgamento da ADI 4 (rel. min. Sydney Sanches), concluído em 07.03.1991 (RTJ 147/719), firmou o entendimento de que referido dispositivo não era auto-aplicável. Destaco o seguinte trecho da ementa dessa decisão:"6. Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do Sistema Financeiro Nacional (art. 192), estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância do que determinou no caput, nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isolada do disposto em seu parágrafo 3º, sobre taxa de juros reais (12% ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tratamento global do Sistema Financeiro Nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas as normas do caput, dos incisos e parágrafos do art. 192, é que permitirá a incidência da referida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em tal diploma."(RTJ 147/720) A respeito do tema, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão de 11.06.2008, editou o enunciado de Súmula Vinculante nº 7, publicada no DJe de 20.06.2008, com o seguinte teor:"A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar". Registre-se que, após a promulgação da Emenda Constitucional 40, de 29.05.2003, que revogou o § 3º do art. 192 da Carta Magna, a limitação dos juros deixou de ter fundamento constitucional. Nesse sentido, o acórdão recorrido, fundamentado na auto-aplicabilidade do § 3º do art. 192 da Constituição, contrariou o entendimento desta Corte (Súmula Vinculante nº 7). Quanto à ofensa do art. 25 do ADCT, no julgamento do RE 286.963 (rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 20.10.2006), a Primeira Turma firmou juízo pela validade da norma que outorga poderes ao Conselho Monetário Nacional para a limitação das taxas de juros nos contratos que tenham como parte instituições financeiras. Entendeu a Primeira Turma que o referido dispositivo transitório, ao determinar a revogação dos dispositivos legais que atribuíam ou delegavam ao Poder Executivo matéria de competência do Congresso Nacional, referia-se especificamente à competência delegada pela legislação pré-constitucional, e não às normas - como a do presente caso - editadas na vigência da delegação. Do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, conheço e dou provimento ao recurso extraordinário, para afastar a limitação dos juros e determinar seja reapreciada pelo Tribunal a quo a matéria referente à taxa de juros aplicável à espécie, conforme a regulação vigente à época da celebração do ajuste. ( RE XXXXX , Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 15/05/2009, publicado em DJe-101 DIVULG 01/06/2009 PUBLIC 02/06/2009)".

Ainda no mesmo sentido:

"[...] As normas objeto dessa ação são perfeitamente válidas, uma vez que foram editadas dentro do prazo estipulado pelo dispositivo transitório, quando o Poder Executivo possuía competência para dispor sobre instituições financeiras e suas operações: indiferente, para a sua observância, que tenha havido a prorrogação tratada no art. 25 do ADCT. Portanto, não há falar em revogação da Lei 4.595/64. Assim, nego provimento ao agravo.

( AI XXXXX , Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 09/11/2004, publicado em DJ 01/12/2004 PP-00035)".

Logo, não há como fugir da conclusão de que Supremo Tribunal Federal, órgão ao qual compete a guarda da Constituição, nos termos do artigo 102 do texto constitucional, vem afirmando reiteradamente a validade da Lei 4.595/64, não havendo fundamentos que levem à adoção de decisão em sentido diverso.

Ainda no que se refere à legalidade da atuação das instituições financeiras, a exigência constitucional de Lei complementar para regulamentar o sistema financeiro nacional, prevista no art. 192 da CRFB/88, não impede a recepção da Lei ordinária anterior que regulamenta a matéria, in casu, a Lei nº 4.595/64.

A recepção de normas pré-constitucionais pressupõe apenas compatibilidade material, sendo inexigível nesses casos compatibilidade formal. Como bem assentado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do RE nº. 286.963, "é elementar que não existe inconstitucionalidade formal superveniente. A competência se apura no momento do ato normativo".

No mesmo sentido, também já se decidiu no Supremo Tribunal Federal que "o art. 25 do ADCT revogou todas as delegações de competência outorgadas ao Executivo, sobre a matéria reservada ao Congresso Nacional, mas não impediu a recepção dos diplomas legais legitimamente elaborados na vigência da Constituição anterior, desde que materialmente compatíveis com a nova Carta. ( RE 272.872 , rel. min. Ilmar Galvão, j. 4-4-2001, P, DJ de XXXXX-10-2003). (RE 435.278 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 6-3-2012, 2ª T, DJE de XXXXX-3-2012)".

A propósito, Pedro Lenza elenca os seguintes requisitos para que uma lei seja recepcionada pela nova Constituição:

"- estar em vigor no momento do advento da nova Constituição;

- não ter sido declarada inconstitucional durante a sua vigência no ordenamento anterior;

- ter compatibilidade formal e material perante a Constituição sob cuja regência ela foi editada (no ordenamento anterior);

- ter compatibilidade somente material, pouco importando a compatibilidade formal, com a nova Constituição. (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Saraiva, 2016. 20 ed. p.239 - ênfase acrescentada)".

Diante de todo o exposto, com base na jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, o artigo 25 do ADCT não revogou a Lei nº 4.595/64, estando ela vigente na parte em que regulamenta o Sistema Financeiro Nacional e descreve os órgãos e entidades que o integram (art. 1º), motivo pelo qual, com a devida vênia, os dispositivos legais mencionados pelo eminente Desembargador Antônio Bispo não possuem o condão de afastar o status de instituição financeira da parte.

Portanto, no capítulo em questão, oponho respeitosa divergência ao voto proferido, para REJEITAR a alegação de não recepção/revogação da Lei 4.595/64 pela Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 e, em consequência, afastar a declaração de nulidade do contrato firmado entre as partes por suposta ausência de capacidade da instituição financeira.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA SUSCITADA PELO RELATOR

Com a devida vênia, oponho divergência ao voto proferido pelo eminente relator, Desembargador Antônio Bispo, por entender que a decisão recorrida está adequadamente fundamentada.

O Estado Democrático de Direito tem como um de seus fundamentos a exigibilidade da fundamentação das decisões judiciais, que está disciplinada no artigo 93, IX, da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, segundo o qual "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]".

Em verdade, a fundamentação é condição indispensável para legitimação da decisão judicial no contexto do Estado Democrático de Direito, pois exige que o magistrado considere as normas integrantes do ordenamento jurídico - reserva legal - e, necessariamente, enfrente os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada - contraditório (BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. Capítulo 3, tópicos 8/9).

Como bem ressalta Daniel Amorim Assumpção Neves ( Novo CPC Comentado, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 808), "a fundamentação não precisa ser extensa para ser uma verdadeira fundamentação". Entretanto, é necessário que enfrente, ainda que de maneira sucinta, todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa.

Ao compulsar os autos, observo que a sentença (ordem 26) cumpriu o dever de fundamentação analítica das decisões judiciais, se pautando em disposições legais que, segundo o juízo a quo, seriam hábeis a solucionar o litígio. Nesse cenário, caso o Tribunal entenda que a decisão a quo não aplicou corretamente o ordenamento jurídico, deverá reformá-la, analisando seu mérito.

Assim, não se verifica que a sentença tenha sido proferida em desobediência à norma constitucional que determina que as decisões judiciais devem ser fundamentadas, razão pela qual REJEITO a preliminar.

DES. OCTÁVIO DE ALMEIDA NEVES

Da Arguição De Não Recepção/Revogação Da Lei 4.595/64 Pela Constituição Da Republica Federativa Do Brasil De 1988

Peço vênia ao Primeiro Vogal, eminente Desembargador José Américo Martins da Costa, para rejeitar a questão preliminar por ele suscitada.

Isso, porque, a meu ver, a discussão trazida à baila no que se refere à Lei 4.595/64, em verdade, nada mais traduz que a subsunção da norma legal reputada aplicável ao caso concreto e, portanto, trata-se de questão meritória que, como tal, deve ser enfrentada.

Nulidade da Sentença - Suscitada pelo Relator

Peço vênia ao Relator, eminente Desembargador Antônio Bispo, para acompanhar a divergência instaurada pelo Primeiro Vogal, eminente Desembargador José Américo Martins da Costa, e rejeitar a preliminar.

DES. MAURÍLIO GABRIEL

Rejeito a preliminar de nulidade da sentença, nos termos do voto prolatado pelo culto 1º Vogal, Desembargador José Américo Martins da Costa.

JD. CONVOCADO FERRARA MARCOLINO

DA ARGUIÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO/REVOGAÇÃO DA LEI 4.595/64 PELA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Peço vênia ao E. Primeiro Vogal para acompanhar o voto do E. Segundo Vogal.

NULIDADE DA SENTENÇA

Peço vênia ao E. Relator para acompanhar o voto do E. Primeiro Vogal.

DES. ANTÔNIO BISPO (RELATOR)

MÉRITO

Da leitura da inicial e defesa apresentada colhe-se a informação de que o autor, que recebe um salário mínimo de aposentadoria, firmou dois contratos de empréstimo pessoal com o réu, que lhe cobrou juros remuneratórios exorbitantes.

A sentença aplicou a taxa média de mercado quanto aos juros, decotou o seguro e manteve as estipulações restantes, partindo da premissa de que a jurisprudência autoriza as cobranças estabelecidas contratualmente.

Esta autorização e outras que agridem o ordenamento jurídico brasileiro, tornaram-se comuns em se tratando de "contratos bancários" assim denominados aqueles que têm em um dos polos as chamadas "instituições financeiras" em que pese o aparato jurisprudencial utilizado supostamente para garantia da segurança jurídica, o que se vê na realidade é um reiterado descumprimento de normas legais que acaba por multiplicar as incertezas as ilegalidades e os processos.

Pela importância destas intervenções na ordem econômica sua genérica denominação "contrato bancário" considera aquele praticado pelas chamadas "instituições financeiras" que "têm como objetivo nas suas operações promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir os interesses da coletividade".

É o que consta no artigo 192 da Constituição Federal, que ganhou nova redação pela Emenda Constitucional 40/2003.

É digno de nota que a redação anterior previa um limite de 12% ao ano para as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão do crédito.

Instado a se manifestar acerca do constante no texto constitucional original do artigo 192, que no § 3º dispunha uma limitação anual de 12% como remuneração de taxa de juros, conforme já mencionado, o Poder Judiciário nos brindou com a tese da necessidade de uma regulação posterior afastando a máxima da eficácia imediata da lei.

Para registro destaca-se a redação do revogado § 3º do artigo 192 da Constituição Federal, cuja eficácia foi postergada para a eternidade em apertada "decisão judicial" (5 a 4) do Supremo Tribunal Federal, que na ADin nº 4 considerou não ser a regra "auto aplicável" posto que dependeria das Leis Complementares referidas no "caput".

§ 3º As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

A propósito da Emenda Constitucional nº 40/2003 é de se observar que ela manteve a regra do artigo 52 do ADCT que veda a instalação e aumento no capital de Instituições Financeiras residentes no País ou domiciliadas no exterior.

Contudo, a Lei Complementar não veio. Permaneceu, no entanto a necessidade de regulamentação de tão importante matéria para a economia do País e inclusive dos investidores e Bancos, mediante Lei Complementar uma vez que a redação final depois da Emenda 40/2003 ficou assim:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

De acordo com a "jurisprudência" dominante essa lacuna legal está suprida pela Lei Ordinária 4.595 de 31 de dezembro de 1964, assinada pelo então Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco.

Considerando que a Lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (§ 1º do artigo 2º da LINDB), temos aqui uma incompatibilidade formal, na medida em que a lei 4.595/64 é uma lei ordinária e o sistema financeiro deve ser regulado por leis complementares.

O fato de a Constituição Federal ser posterior indica que não é caso sequer de "inconstitucionalidade", já que a Suprema Corte em uma decisão fundamentada na Lei de Introdução assim se pronunciou:

"Com a adoção de uma nova Constituição, a lei anterior ou é compatível com ela e permanecerá em vigor, ou é incompatível com ela e será por ela revogada. Ao preparar projeto de legislação, o legislador observa os limites impostos pela Constituição em vigor, pois é obviamente impossível obedecer a termos e preceitos de uma Constituição futura, ainda inexistente." (Diário da Justiça 21.11.1997)

É bem verdade que a "jurisprudência" se firmou no entendimento de que não basta a incompatibilidade formal para que a revogação se consume e tanto é assim que outras leis formalmente incompatíveis com a já não tão nova ordem constitucional permanecem ativas, destacando-se entre elas o Código Tributário Nacional1 publicado em 25 de outubro de 1966 e sancionado pelo mesmo Castelo Branco.

Nesse caso do Código Tributário Nacional, mesmo com a compatibilidade, intervenções se mostram necessárias sob vários aspectos no sentido de aperfeiçoar o sistema, adequando-o à realidade legislativa e econômica atual circunstância que evidencia o que aqui se busca a expor.

Retornando à Lei 4.595/64 esta encarta ainda outra questão de natureza material, uma vez que o objeto a que ela se refere (Sistema Financeiro Nacional, Contratos bancários e juros) é matéria da competência do legislativo (inciso XIII do artigo 48 da Constituição Federal) enquanto que um órgão subordinado ao executivo supostamente vem deliberando sobre "matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;".

No tocante à revogação material, também se firmou o entendimento, que não é suficiente essa constatação para que se consume a revogação ainda que em procedimento próprio de declaração de inconstitucionalidade.

Por isso, para afastar qualquer interpretação de violação da reserva plenária acerta das questões constitucionais aprofundaremos na constatação fática da revogação expressa consignada no artigo 25 do ADCT que assim dispõe:

Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

Quanto a esta revogação expressa a "solução" na qual se apega o judiciário afigura-se frágil, injurídica e muitos outros adjetivos que, no entanto pode ser resumida na imprestabilidade da dita "solução" para atingir o objetivo de garantir a segurança jurídica das relações negociais que elas deveriam regular, pelo contrário. Nunca se viu uma transferência de riqueza para determinados grupos, o que vai de encontro com os objetivos do próprio Sistema Financeiro, que tem o objetivo de promover o desenvolvimento equilibrado.

Para o enfrentamento da revogação expressa da Lei do regime ditatorial a solução encontrada pelo Poder Judiciário se afigura ainda mais frágil do ponto de vista técnico, do que na Adin nº 4, fragilidade esta que deve adjetivar as "soluções" dita judiciais, como as aqui consideradas, para que outros predicados menos nobres não desvie o debate para o campo subjetivo do entendimento pessoal.

Aqui, a tese da "não revogação" apresentada pelos defensores da revogada Lei é sustentada pelo Recurso Extraordinário 286.963 -5, cuja ementa assim dispõe:

"EMENTA: Conselho Monetário Nacional: competência para dispor sobre a taxa de juros bancários: ADCT/88, art. 25: L. 4.595/64: não revogação.

1. Validade da aplicação ao caso, da L. 4.595/64, na parte em que outorga poderes ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre as taxas de juros bancários, uma vez que editada dentro do prazo de 180 dias estipulado pelo dispositivo transitório, quando o Poder Executivo possuía competência para dispor sobre instituições financeiras e suas operações: indiferente, para a sua observância, que tenha havido ou não a prorrogação admitida no art. 25 do ADCT; portanto, não há falar em revogação da Lei 4.595/64.

2. RE provido, para determinar que o Tribunal a quo reaprecie a demanda tendo em conta o disposto da L. 4.595/64."

Não é preciso ser versado em hermenêutica e em direito para perceber somente da leitura da ementa, que aquela solução se aplica tão somente àquele caso específico, em que negócio jurídico contestado teria sido celebrado com observância das regras editadas no interregno da vigência e revogação da norma.

Ademais a leitura dos votos, inclusive do relator naquele feito não permitem uma conclusão outra que não a revogação da Lei 4.595/64 exatamente em razão da perda da eficácia da Medida Provisória 45/89 que tinha por escopo a prorrogação do prazo de 180 dias que o Congresso Nacional tinha para regulamentar, via Leis Complementares o Sistema Financeiro Nacional.

Os demais julgados que sucederam na "repristinação do entendimento" estão fundamentados no precedente do RE 286.963-5, e replicam o bordão "não há falar em revogação da Lei 4.595/64."

Evidente que os repliques desse bordão, inclusive por membros do próprio Superior Tribunal de Justiça não foram precedidos da leitura dos votos proferidos naquele julgamento, porque definitivamente eles não chegaram a tanto, conforme declarado no voto do relator e tanto é assim que a primeira frase da ementa esclarece: "Validade da aplicação ao caso."

Nesse contexto, deveriam os juízes romancistas que querem acompanhar os precedentes, estudá-lo em sua integridade para não replicar nulidades e os absurdos que se vê da prática jurídica nesse sistema vergo dos precedentes que aqui se implantou com raízes informais.

Os arautos da nova ordem processual divulgaram um senso comum no sentido de que com a uniformização da jurisprudência haveria mais segurança jurídica e consequentemente mais efetividade da justiça.

Baseados em um suposto dever de observar a jurisprudência, mantendo-a integra e coerente, os julgados vêm incorrendo em flagrantes e grosseiras violações ao devido processo legal (due process of law), uma vez que julgadores, em nosso sistema jurídico estão subordinados somente ao ordenamento jurídico.

Pelo dever de observar a jurisprudência os julgadores se afastaram do seu essencial dever fundamental. Se esqueceram de que juraram obediência à Constituição e à Lei.

E além de não ser qualquer jurisprudência que deve permanecer integra, ela deve também ser, estável e coerente com o ordenamento jurídico.

Faremos a seguir uma compilação de dispositivos que impõem a razão de ser desse dever funcional dos magistrados:

Artigo da Constituição Federal

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Inciso II do artigo da CF

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Artigo 37 da Constituição Federal

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

Inciso IIIdo § 4º do artigo 60 da CF

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.



Capítulo III da Constituição Federal que trata dos poderes conferidos ao Poder Judiciário, com destaques nas respectivas competências em sede de Súmula Vinculante e Recursos:

Recurso Extraordinário, inciso III do artigo 102.

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 1º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.

Súmula Vinculante, artigo 103-A introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Superior Tribunal de Justiça, nos casos do Recurso Especial:



III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.



Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Lei Orgânica da Magistratura LOMAN (Lei Complementar 35/79)

Art. 35 - São deveres do magistrado:

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A literalidade do texto que destaco logo abaixo, nem de longe induz qualquer ilação no sentido de atribuir ao Poder Judiciário o papel do protagonismo da vontade da Lei, ou qualquer outra coisa parecida tais como a jurisprudência é fonte de direito, ou passou a fazer parte do ordenamento jurídico.

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Artigo 489 - De leitura obrigatória para os que têm o dever de fundamentar consoante o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, esse inobservado roteiro cerca antiga mazela do Poder Judiciário, que nunca distinguiu a sentença de fundamentação deficiente da sentença sucinta.

Para o devido processo legal, ainda que prolixa, a sentença com fundamentação deficiente, continua sendo nula pela ausência dos seus elementos essenciais.

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

Esses três incisos abaixo, repetem o artigo 458 do Código de Buzaid, que aperfeiçoou o artigo 280 do CPC de 1939, sem, contudo alterar a sua essência, tal como ocorre com as modificações ora em comento.

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

Este inciso delimita o alcance do litigio e das partes, possibilitando a redação e a construção do raciocínio lógico da peça, de modo a demonstrar um texto auto explicativo do que o processo se refere.

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

Via de regra, a maioria dos litígios sempre encerra uma questão fática em face de uma questão de direito. Não obstante, na grande maioria das decisões onde se pede revisão de contrato bancário, logo após os relatórios encontramos duas assertivas contraditórias.

"O feito não enseja a dilação probatória, posto que a matéria é exclusivamente de direito."

"É sedimentado o entendimento no sentido de que aos contratos bancários aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor."

Se o Código de Defesa do Consumidor estabelece parâmetros de validade para os negócios jurídicos, oriundos da relação de consumo e se esse negócio ou defeito dele é a causa de pedir da inicial, temos, necessariamente uma matéria de fato (o negócio jurídico) e outra de direito.

Não há que se falar em ausência de dilação probatória, mesmo porque a própria defesa técnica que se baseia na obrigatoriedade do contrato, necessariamente tem de apresenta-lo para sustentar a sua integridade e sua conformidade com o ordenamento jurídico.



III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

Aqui o fecho da lógica demonstrada nas duas primeiras partes da decisão, vinculando as partes às questões de direito controvertidas em face daquelas circunstâncias.

Poderíamos nos alongar aqui na questão das decisões declaratórias, condenatórias e constitutivas de direito, mas enfim essa não é a seara para tanto.

A nova ordem processual instituiu ainda um roteiro que não vem sendo cumprido pelos operadores de direito, por desídia ou desconhecimento ensejando nulidade da quase totalidade das decisões cujos recursos nos é submetido, e sobre eles faremos breves considerações;

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

Partindo da premissa de que toda manifestação emanada do Poder Judiciário tem que ser fundamentada, uma decisão que não preencher essas premissas legais, ora instituídas, ainda que não seja somente sucinta, pode ser prolixa como esta, se não observar a lógica da legalidade, é nula de pleno direito.

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

O primeiro requisito de um pronunciamento judicial é que ele considere a Lei, no sentido material do seu conceito como regra geral e abstrata, apto a regular a vida social.

É uma realidade que a pirâmide de Kelsen foi elastecida pelos princípios gerais de direito implícitos nas normas legais emanadas dos Poderes Competentes, mas se a exigência não é a mera indicação, à reprodução ou à paráfrase do ato normativo, há de se ver que esta ou os seus princípios não só têm que ser apontados, como também deve ser explicada a sua relação com os fatos do processo ou da questão decidida.

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

Segurança jurídica dos contratos, função social, dever de uniformizar, assim já decidiu, aplicam-se as disposições, não estão sujeitas à lei de usura, taxa média de mercado, etc., etc., são exemplos atuais de conceitos originados de decisões que são utilizados para afastar o enfrentamento do caso concreto submetido à apreciação nos chamados "revisionais de contratos bancários."



III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

Considerando a falta de dialeticidade com que os pedidos vêm sendo julgados, até mesmo as genéricas decisões dos repetitivos já consolidados, incorrem nesse vício e acabam por se tornarem imprestáveis como regra geral e abstrata a ser trasladada para outros feitos.

No tocante aos procedimentos do antigo artigo 543C do Código de Processo Civil de 1.973, pela ausência dos requisitos ora examinados, estes não deveriam ficar nem mesmo na prateleira da história, por representarem o retrocesso da Justiça no Brasil.

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

Via de regra, quando a matéria é "contrato bancário" somente são considerados os argumentos da defesa, que são fundados no consolidado "entendimento" dos doutos julgadores que inclusive já superaram o máximo do absurdo de fazer prevalecer este entendimento mesmo no caso da revelia, ou não apresentação da prova do contrato, fazendo letra morta da distribuição do ônus probatório.

Nunca houve um enfrentamento nesta câmara da alegação que faço diuturnamente acerca da nulidade das decisões judiciais que na sua totalidade em se tratando de "contratos bancários" se esqueceu do Código Civil e dos Crimes da Lei 7.492/86.

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

Nesse caso, sem exceções, "todas as decisões" inclusive as proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, não identificam os fundamentos determinantes dos precedentes nem demonstram que o caso sob julgamento se ajusta aos fundamentos de direito que resultou no julgado precedente.

A rigor o nosso Sistema Jurídico, impõe uma metodologia dedutiva. Por esta metodologia o julgador deve aplicar a regra geral e abstrata ao caso concreto. Assim o primeiro questionamento para solucionar o litigio é se perguntar "qual é a lei"? De que servem os cada vez mais grossos "Vade Mecum" se não os consultamos.

Pelos aspectos metodológicos, portanto, as decisões, inclusive dos Tribunais Superiores, são nulas de pleno direito por falta de dialeticidade em razão da equivocada metodologia que é um arremedo do common law, que trabalha com o método indutivo.

A propósito do método indutivo que se pretende copiar, seria interessante que conhecêssemos melhor o nosso sistema jurídico, para depois procurar conhecer o seu oposto, avaliando à luz da ciência a pertinência de um ou do outro.

O teor das decisões que reexaminamos denota que precisamos atualizar o conhecimento acerca do nosso ordenamento jurídico, em face dos flagrantes erros metodológicos que as decisões trazem à lume.

Como a regra geral é o ordenamento jurídico, a construção dialética não permite o desenvolvimento do raciocínio com base nos precedentes, principalmente quando estes (precedentes) não foram deduzidos à partir da lei.

Fala-se muito equivocadamente em ativismo judicial, mirando-se no modelo e ocorrido nos anos sessenta na América do Norte, onde os julgados de um Poder Judicial com competência legislativa nas questões do direito comum buscavam aproximar os costumes ao texto constitucional.

Diferente de lá, nosso "ativismo" descumpre o texto da lei, invade a seara da competência legislativa, interfere no poder discricionário do executivo, consagrando a máxima de que a lei é o que o judiciário diz que ela é.

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Se opondo ao inciso V, este determina que o enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, seja afastado ou acolhido mediante fundamentação.

Interessante constatar que o ordenamento jurídico tem mecanismos que permitem a inobservância da lei, a declaração da sua revogação e a distinção da sua aplicabilidade no caso concreto.

Nesse contexto, basta a assertiva de que o feito está sendo decidido com base na lei, para que esteja atendida esta exigência do dever de fundamentar.

§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

Esse parágrafo reafirma a lei como regra geral e abstrata do método disponível para solução de litígios.

Especificamente no caso dos "contratos bancários" ainda que não se considere a revogação da Lei 4.595/64, esta "tecnicamente" deve estar em conformidade com o texto Constitucional, com a regra geral do Código Civil, aplicando-se ainda as regras especiais do Código de Defesa do Consumidor (tanto as processuais quanto às relativas à interpretação do contrato), não se descuidando de observar a Lei 7.492/86 que "Define os crimes contra o sistema financeiro nacional".

Não se vê mais nas decisões, qualquer alusão às regras gerais do regime de nulidades do Código Civil. O CDC, só serve para enfeitar o preâmbulo das decisões, porque "abusividades não podem ser reconhecidas de ofício", não se inverte o ônus da prova, nem o regime de distribuição do ônus da prova é observado quando se trata de contrato bancário e por final nunca se viu uma decisão acerca dos crimes dos artigos e 23º da Lei 7.492/86.

Aplicar a lei ao caso concreto, não é desobediência ou insubordinação à "jurisprudência" e "entendimento" dos Tribunais Superiores. É antes de tudo, cumprimento do dever funcional, já que existe hierarquia entre as normas. Mas não existe hierarquia e subordinação entre magistrados.

§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

Um questionamento que se deve fazer a propósito destas decisões fundadas nos precedentes e entendimentos, em detrimento da lei. A boa fé objetiva permite esse arranjo jurisprudencial que posterga a regulação do sistema financeiro nacional?

Feitas as considerações acima acerca dos requisitos da decisão, é de se relevar que à revelia de todo esse arcabouço legal, que é inteiramente coerente com a doutrina acerca dos requisitos e efeitos de uma decisão judicial, estamos embarcando na falácia de que o nosso sistema jurídico está se aproximando do "common law" e que a "jurisprudência" é uma fonte subsidiária de direito em nosso sistema judicial.

Mais uma vez é necessário enfrentar o tema, em face da doutrinação ocorrida, na qual incorre inclusive o Tribunal da Cidadania que já conta com mais de mil temas que sem nenhum vínculo com a referência legislativa, esta a regular a vida social, através de ementas de súmulas que são acolhidas como o sumo da modernidade e eficiência.

A propósito em mais de uma oportunidade já li e ouvi, que a lei é o que os juízes dizem que ela é. Não me admira o fato dessas assertivas serem corroboradas pelas renomadas bancas de advocacia que têm nas suas carteiras os grandes interesses econômicos das mais variadas áreas.

Ao que parece eles também não se sentem vinculados, como os juízes são, à lei. Eles tornaram letra morta um dever consignado no próprio "Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil", Lei 8.906 de 04 de julho de 1994, que consigna ser infração disciplinar:

Artigo 34 Constitui infração disciplinar:

....

VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior.

XIV - deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bom como os depoimentos, documentos e alegações da parte contrária para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa;

....

Levando-se em conta que a sentença judicial, até mesmo nos processos coletivos, só atingem aqueles que efetivamente participaram do processo, como podemos estender erga omnes os efeitos de uma decisão judicial.

Se possível estender, o que se aplica como regra geral e abstrata. A ementa? O fundamento? Ou a parte dispositiva.

Á luz da ciência e da razão, nenhuma das partes de uma sentença ou acórdão é capaz de transmutar-se em regra geral e abstrata capaz de fundamentar outra decisão que não o feito a que se refere.

Há que se observar, que nem mesmo na Súmula vinculante essa transmutação foi permitida, posto que a Emenda Constitucional 45/2004 instituiu:

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (destaques não originais)

Assim, qualquer interpretação do valor e alcance do precedente perderá em importância quanto mais se distanciar da norma, porque é esta que no dá poder e o limita.

A propósito dessa vinculação aos precedentes, o berço origem da técnica de julgamento, "common law", não representa necessariamente um paradigma de evolução pois conserva a mesma metodologia original e por ela, a tradição ou o costume, declarado pelo judiciário é que obriga e submete o indivíduo.

Não é muito diferente quando se trata do dos costumes mencionados no artigo 4º da LINDB, o qual a doutrina define como resultante de uma prática generalizada e prolongada, que resulta numa certa convicção de obrigatoriedade.

Sob esta ótica de convicção da obrigatoriedade, acerca da limitação da taxa de juros a própria jurisprudência dominante no Tribunal da Cidadania, reconhece ser necessária, tanto é assim quem vem através de seus julgados se arvorar no ente regulador da taxa de juros, quando a própria lei revogada, que também reconhece a necessidade de limite, atribui essa competência a outrem que não o Poder Judiciário.

Deixar a limitação de juros ser feita pelo mercado como no caso do escólio dos nossos Tribunais configura uma prática "contra legem" que não foi incorporada no ordenamento jurídico conforme se vê como marco teórico disponibilizado ao julgador no artigo do Código de Processo Civil.

Mesmo porque os fins sociais e as exigências do bem comum para contratos desta natureza estão consignados em lei e não podem ser afastados exatamente por aqueles que têm o dever de aplicá-la.

Com estas considerações, com a devida vênia dos "entendimentos" externados em sentido contrário, os chamados "contratos bancários" devem ser julgados com e sob os aspectos da legalidade, de forma que o acervo jurisprudencial utilizado pelas bancas de advocacia para justificar criminosa conduta perpetrada contra o Sistema Financeiro Nacional não serve para nada.

Também sob o aspecto da Legalidade observa-se no Título V do Código Civil que a liberdade de contratar será exercida nos limites da função social do contrato, prevalecendo o princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão do contrato.

Sendo estes dois últimos princípios inovação da redação dada pela Lei 13.874. Não se pode esquecer que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução os princípios de probidade e boa-fé. (artigo 422 CC).

Levando-se em conta que são "contratos bancários", evidentemente, pela dicção do texto constitucional, inclusive na redação posterior, que estes têm seus limites consignados no artigo 192 da Constituição Federal e se destinam a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir os interesses da coletividade.

Não obstante esta possibilidade, ainda que não tivesse sido revogada, a Lei 4.595/64, criou o Conselho Monetário Nacional e lhe atribuiu as seguintes competências:

VI - Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras;

IX - Limitar sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República Federativa do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover: .....

A referida lei, além do Conselho Monetário Nacional também criou o Banco Central a quem conferiu a competência para cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Cumprir e fazer cumprir as disposições legais. Também o Poder Judiciário tem esse dever consignado no artigo 35 da LC 35/79 que reafirma o disposto no artigo 37 da Constituição Federal.

Ocorre que o Conselho Monetário Nacional só se ocupa da Taxa Selic, e o Banco Central somente divulga a taxa média de mercado, com base nas informações que lhes são prestadas pelas "instituições financeiras"

Como sói a ocorrer, na realidade não há qualquer interferência no sentido de limitar a taxa de juros, que foi "deixada" ao livre arbítrio do mercado, ainda que seja incontestável que as regras norteadoras de contratos desta natureza sejam fixadas por lei.

Tanto é assim que a Lei 7.7492/86 define como crime e fixa em seu artigo 8º :

Art. 8º Exigir, em desacordo com a legislação (Vetado), juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Interessante observar que a redação aprovada teve a palavra (mercado) vetada com os seguintes argumentos:



"No art. 8º, a expressão"ou mercado", que atenda contra os princípios constitucionais da liberdade de iniciativa e livre competição, bem assim contra a normas segundo a qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Além disso, a expressão vetada é demasiadamente vaga para constar de norma penal, que deve ser clara e precisa na descrição da conduta típica." "Texto original"

Aludido veto não foi derrubado, persistindo a obrigatoriedade de lei fixando inclusive para os participantes do Sistema Financeiro Nacional a obrigatoriedade de observância dos limites da taxa de juros.

Essa liberação geral para as chamadas "instituições financeiras" viola o princípio constitucional de igualdade de todos perante a lei, uma vez que o Decreto 22.626 de 7 de abril de 1933, assim como o Código Civil (artigos 406 e 591) limitam a taxa de juros, elemento essencial para que que o mesmo cumpra a sua função social, promovendo o desenvolvimento através de um fomento equilibrado.

Se nos anos setenta, onde a Lei 4.595/64 coexistia com a Constituição Federal de 1967 e o Código Civil de 1.916 e mesmo naquela oportunidade havia uma limitação legal para a taxa de juros, na atualidade, esta há que se fazer de forma igualitária a todos aqueles que atuam com contratos desta natureza, sob pena de não estar se cumprindo a sua função social.

Além da Lei 7.492/86 e Código Civil já citados, temos ainda determinações que levam à conclusão lógica de que "não é o mercado que regula os juros" estes devem serem limitados por Lei, ou como queiram pelo Conselho Monetário Nacional.

Assim, seja pela ótica do Código Civil, ou pelo regime de nulidades do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, o negócio jurídico, como celebrado não tem como ser consolidado senão vejamos.

A controvérsia dos autos incide sobre as consequências e efeitos de um contrato bancário, cujo julgamento na atualidade, somente considera os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que se arvorou no papel inconstitucional de legislar, no que tem sido seguido pelo Poder Judiciário, mesmo quando se observa no artigo 105 da Constituição Federal que não lhe foi atribuída esta competência.

Ao contrário do que a prática vem demonstrado, a competência do STJ em sede de recursos especial (inciso III, letras a, b e c, é restrito a:

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Nesta circunstância, não só a decisão recorrida é nula, como também os acórdãos fundamentados na nulidade, que não têm por objeto a interpretação, validade e eficácia de normas determinadas.

Estas constatações não são uma divagação acadêmica, posto que superficiais, mas uma realidade do atual momento do País, onde magistrados têm medo de decidir com a lei, mas demonstram uma admirável coragem para decidir com a atual jurisprudência cujo conteúdo sequer considera os incisos e parágrafos do artigo 489 do Código de Processo Civil.

No contexto do litígio instaurado o contrato firmado é uma das espécies de negócio jurídico que vêm sendo impropriamente chamados de "contratos bancários".

Numa avaliação superficial da prova escrita apresentada, à luz do artigo 166 do Código Civil, que se aplica a todos os negócios jurídicos, inclusive àqueles regulados por lei especial, constatamos, ou melhor, não constatamos os requisitos mínimos de validade, isto porque;

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Não obstante, em homenagem ao "entendimento" da maioria desta câmara, que fecha os olhos para a revogação da Lei 4.595/64, mesmo ante à evidência da perda da eficácia da Medida Provisória 45/89, cujo escopo era a prorrogação este estrupício ditatorial, deixaremos de abordar o tema "incapacidade da autora para operar no sistema financeiro nacional".

Traz-se novamente o inciso II supra reproduzido, que trata da ilicitude.

Observa-se que a Lei 7.492/86 que define os crimes contra o sistema financeiro nacional dispõe em seu artigo :

?Art. 8º Exigir, em desacordo com a legislação (Vetado), juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários: ??????? Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.



A própria súmula 382 do STJ, que coloca nas mãos do mercado o arbitramento da taxa de juros, constitui uma ilegalidade, na medida em que a Constituição Federal, a Lei específica e o Código Civil, não permitem que fique ao arbítrio de um dos contratantes ou do mercado a fixação da taxa de juros.

Nesse contexto, a taxa de juros é ilegal e essa circunstância chama a incidência das duas outras causas de nulidade previstas nos incisos V e VI acima mencionado.

O contrato objeto desta ação não se reveste da forma prevista em Lei, pois além de ter sido contraído com uma pessoa que deveria ter autorização específica, a remuneração não observa a forma prevista em lei, podendo-se dizer, ainda, que vai de encontro com toda a legislação a ela pertinente, inclusive a revogada Lei 4.595/64 que impõe em seu artigo inciso IX:

IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover:



Onde está a alegação de que a taxa de juros está dentro dos limites fixados pelo Banco Central. Onde se vê a competência do Poder Judiciário, em qualquer das suas esferas, para limitar ou referendar taxa de juros de contratos de mútuo?

Vou além; o Poder Judiciário se auto engana com essa "jurisprudência" fabricada pelos lobbies das grandes bancas de advocacia, que litigam em constante violação ao dever profissional do advogado que eles próprios desconhecem e por isso deixo consignado:

Art. 34. Constitui infração disciplinar: VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior;



Sob a ótica dos requisitos de admissibilidade da inicial, poderíamos ainda relembrar os artigos 51 e 52 do Código de Defesa do Consumidor, incidentes na relação negocial que instrui a inicial e que impõem a nulidade de pleno direito às cláusulas dos ditos "contratos bancários". Referidas disposições são "atropeladas" pela Súmula 381 do STJ, cujos termos, em flagrante descompasso com o ordenamento jurídico, quando adotados pelo Poder Judiciário, terminam por impedir o magistrado de cumprir o seu dever de ofício.

Relembro às Vossas Excelências que as nulidades ora apontadas estão no capítulo da invalidade dos negócios jurídicos, os quais não podem ser convalidadas:

Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.



Acrescento, por final, que as razões recursais apresentadas são insuficientes para suprir os defeitos ora apontados, pelo que, com a devida vênia, estou a divergir do "entendimento" de que o feito deve prosseguir, pelo que DOU PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E NEGO PROVIMENTO AO SEGUNDO para declarar a nulidade dos contratos objeto desta ação.

Segundo a teoria da causalidade e, levando em conta a ilicitude da conduta do proponente do contrato, que deu causa ao ajuizamento da ação, condeno a parte estipulante do contrato a arcar com as despesas processuais e honorários como fixado na sentença, além das custas recursais e honorários de segundo grau que arbitro em 10% do valor corrigido da causa.

Para os fins do artigo 26 da Lei 7.492/96 e artigo 42 do CPP e, atendendo ao disposto nos artigos 403 e 41 do CPP e ao artigo 35 da Lei complementar 35/70 e artigo , II da CF/88, determino a remessa de cópia dos autos à Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal - DEFIN/DICOR/DPF e, na forma do inciso X do artigo 139 do CPC, oficie-se ao Ministério Público Federal e Estadual e à Defensoria Pública Estadual, para os fins estabelecidos nos termos do artigo 176 e 185 ambos do CPC, considerando especialmente a norma penal em branco do artigo da Lei 7.492/86 e a ilicitude do negócio, sujeito à prescrição havida na Lei 9.613/89, artigo 1º, § 2º, I, por envolver valores obtidos pela utilização de meios que infringem a LEI.

Determino também a remessa de cópia da presente à Secretaria Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e para a Procuradoria do Consumidor e da Ordem Econômica do Ministério Público Federal, para os fins dos artigos 22, 24, 27 e 28 do Decreto 2.181/97 c/c 57 do CDC que traça os parâmetros necessários à cominação da sanção administrativa de que aqui se trata.

Por fim, de ofício, nos termos dos artigos 81 e 80 do Código de Processo Civil, incisos I, II, III e V, condeno o proponente do contrato em litigância de má fé, no percentual de 10% do valor corrigido da causa.

DES. JOSÉ AMÉRICO MARTINS DA COSTA

MÉRITO

Peço vênia ao eminente relator, Desembargador Antônio Bispo, para divergir do voto por ele proferido.

Do caso concreto

A insurgência recursal diz respeito à análise da abusividade das cláusulas contratuais que preveem juros remuneratórios, capitalização, seguro e discussão sobre a repetição do indébito.

Logo, a análise da Turma Julgadora deve se limitar às questões efetivamente debatidas nas razões recursais. Isso porque a súmula 381 do c. Superior Tribunal de Justiça dispõe que, "nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas".

Assim, não havendo matérias cognoscíveis ex officio, a devolutividade recursal deve se limitar ao que foi alegado nas razões de apelação em razão do princípio do tantum devolutum quantum apelatum.

Iniciando a análise das cláusulas discutidas pela parte apelante, é cediço que qualquer contrato eivado de vícios deve ser revisto pelo Judiciário, relativizando-se o princípio do pacta sunt servanda. Assim, os princípios dele decorrentes, como a obrigatoriedade contratual, a autonomia de vontades e o equilíbrio contratual, para que vigorem de pleno direito, devem estar em sintonia com o ordenamento jurídico, bem como garantir a isonomia entre as partes.

Dos Juros Remuneratórios

Os juros remuneratórios são aqueles pactuados em contrato como remuneração do capital emprestado pela instituição financeira. Na atualidade, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, seguido pelos demais Tribunais pátrios, é de que as partes podem estipular livremente os juros remuneratórios. Por conseguinte, pode-se concluir que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros - 12% ao ano - que foi estipulada na Lei de Usura, entendimento que já era sumulado pelo Supremo Tribunal Federal desde 1977, in verbis:

"Súmula 596: As disposições do decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional".

Embora sejam livres para pactuar os juros remuneratórios, o Código de Defesa do Consumidor veda aos fornecedores, dentre outras práticas abusivas, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva (art. 39, V).

Corroborando com essa previsão, o art. 51, IV, do mesmo código, considera nulas as cláusulas que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça entende ser "admitida a revisão das taxas de juros em situações excepcionais, desde que haja relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) esteja cabalmente demonstrada" ( REsp XXXXX/RS , Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Assim, será considerada abusiva a taxa de juros quando ultrapassar substancialmente a taxa média cobrada pelo mercado, mediante a observância dos usos e costumes praticados em operações semelhantes.

Outrossim, se faz necessário estabelecer um parâmetro numérico que permita definir se a taxa de juros é substancialmente superior à taxa média de mercado, evitando-se que o Poder Judiciário engesse a autonomia privada das instituições financeiras, transformando a média em um valor fixo a ser sempre seguido.

Conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, já foram considerados abusivos juros praticados acima de duas vezes e meia ( REsp. nº 327.727/SP ); três vezes (REsp. nº 971.853/RS); e três vezes e meia ( REsp. nº 1.036.818 ) a taxa média de mercado.

Logo, seguindo os precedentes do colendo STJ, deve ser considerada abusiva a taxa contratual que supere duas vezes e meia o valor da taxa média do mercado.

No caso, os contratos de empréstimo pessoal de nº 1227484-2994433744 e XXXXX-306420813, celebrados em/2019, por uma taxa mensal de juros de 18,01% ao mês e 649,06% ao ano, são manifestamente abusivos, considerando que a taxa média de mercado era de 6,65% ao mês e 116,60% ao ano.

Considerando o acima exposto, a taxa dos juros remuneratórios no percentual fixado no contrato é ilícita, uma vez que supera substancialmente a taxa média de mercado à época do negócio jurídico, razão pela qual deve ser mantida a sentença neste ponto.

Da Capitalização de Juros

Entende-se a capitalização como a incidência de juros sobre os juros devidos e já vencidos que, periodicamente, se incorporam ao valor principal. Ou seja, ao montante principal são acrescentados novos juros, que constituem um novo total, sofrendo nova incidência de juros (juros sobre juros).

Referida prática, também conhecida como anatocismo ou juros compostos, era permitida pelo artigo 1262 do Código Civil de 1916. No entanto, com a edição da denominada Lei de Usura - Decreto nº 22.626, de 7/4/1933 - a capitalização de juros passou a ser expressamente proibida, in verbis:

"É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. (art. 4º)".

Afirmando o entendimento supra, o Supremo Tribunal Federal editou, em 1963, a Súmula nº 121, que vedava, expressamente, a capitalização de juros, ainda que pactuada.

Com a vigência do Código Civil de 2002, abriu-se a possibilidade da cobrança da capitalização anual dos juros. Isso porque o artigo 591 do referido código passou a prever que, "destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual".

Antes mesmo da entrada em vigor do art. 591 do Código Civil, a Medida Provisória nº 2.170-36/2001 passou a permitir a capitalização mensal de juros nos contratos bancários, a partir de 31/3/2000, desde que pactuada. Vejamos o art. 5º:

"Art. 5o Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais".

Ainda que referida medida provisória não tenha sido convertida em lei, encontra-se vigente por força do art. da emenda constitucional nº 32.

A constitucionalidade de tal medida provisória foi questionada no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 2.316/DF, cujo principal argumento era de que não havia urgência ou relevância da matéria tratada na norma em questão a atrair o art. 62 da Constituição da Republica de 1988. Com o julgamento da referida ADI, a questão foi pacificada, sendo reconhecida a constitucionalidade - dos requisitos formais - da referida MP, não havendo óbice à sua aplicação a todos os contratos regidos pelo Sistema Financeiro.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. nº. 973.827, fixou o entendimento de que "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP XXXXX-36/2001), desde que expressamente pactuada".

Este posicionamento foi, ainda, sumulado, por meio do enunciado nº. 539 do STJ, que permite "a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000

(MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001),

desde que expressamente pactuada".

Vale destacar que para que seja considerada expressamente pactuada a capitalização de juros é suficiente que a taxa anual de juros prevista no contrato seja superior ao duodécuplo da taxa mensal, conforme decidido pelo colendo STJ no REsp. nº. 973.827, quando se fixou a seguinte tese:

"A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada."

Destarte, pode-se concluir que, com o julgamento da ADI nº 2.316/DF pelo Supremo Tribunal Federal, e com o posicionamento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, deve-se permitir a capitalização dos juros nos contratos de financiamento em geral, desde que haja previsão contratual.

No caso dos autos, constata-se que a taxa de juros anual prevista no contrato é superior ao duodécuplo da taxa mensal. Assim, em razão da legalidade da cobrança de juros capitalizados, e de sua expressa pactuação no caso dos autos, não há que se falar em sua abusividade.

Da Cobrança de Seguro Financeiro

Por sua vez, ao julgar o Recurso Especial 1.639.320 , sob o procedimento dos recursos repetitivos, o colendo Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese a respeito do Seguro de proteção financeira:

"2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015:

[...]

2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.

[...].

( REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018 - Destacado)".

Assim, a cobrança de seguros em contratos de financiamento só será reputada legal quando o consumidor for livre para optar por sua contratação, bem como para escolher a seguradora, pois não pode ser compelido a contratar com seguradora indicada pela instituição financeira.

É importante destacar que a leitura do voto proferido pelo relator no citado Recurso Especial 1.639.320 /SP demonstra que a ratio decidendi do julgado foi a necessidade de se garantir liberdade plena de contratação ao consumidor, na medida em que "[...] em qualquer contrato bancário, configura venda casada a prática das instituições financeiras de impor ao consumidor a contratação de seguro com determinada seguradora".

No caso dos autos, o contrato juntado não assegura liberdade na escolha da seguradora.

Logo, no que diz respeito à cobrança de seguro, ficou configurada a venda casada, motivo pelo qual deve ser declarada abusiva a cobrança.

Da Repetição do Indébito

No que concerne à repetição do indébito em dobro, razão não assiste à parte apelante, tendo em vista a não configuração dos requisitos exigidos para a sua imposição. Na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, é pacífico o entendimento de que a "repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor" (Resp 1.199.273-SP).

Assim, a restituição das quantias pagas a maior deve se dar de forma simples, uma vez que não se verifica má-fé da instituição financeira, que realizou tais cobranças com amparo no contrato firmado entre as partes.

DISPOSITIVO

Diante do exposto e observada a determinação do art. 93, IX, da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, oponho respeitosa divergência ao voto proferido pelo eminente relator para REJEITAR A ALEGAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO/REVOGAÇÃO DA LEI 4.595/64 PELA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988; REJEITAR AS PRELIMINARES; NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO; DAR PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO RECURSO, para determinar que os valores cobrados indevidamente sejam restituídos ao autor na forma simples, acrescido de juros de mora de 1% desde a citação e correção monetária pela tabela da CGJ a partir de cada pagamento.

Considerando-se a alteração mínima da sentença, as custas processuais e recursais devem ser pagas na proporção estabelecida na sentença.

A base de cálculo dos honorários advocatícios de sucumbência deve ser majorada, apenas em relação à autora, para 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 11º do CPC/2015, na mesma proporção das custas.

A exigibilidade destes débitos está suspensa em relação à parte autora, em razão da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça pelo juízo a quo.

DES. OCTÁVIO DE ALMEIDA NEVES

Mérito

Ressalto que, em que pese a tese defendida pelo em. Relator quanto à inconstitucionalidade da Lei nº 4.595/1964, entendo que a questão já foi superada no âmbito do egrégio Supremo Tribunal Federal, através da ADI nº 4 e em decisões posteriores, que afastam a premissa

Nesse sentido:

"EMENTA: Conselho Monetário Nacional: competência para dispor sobre a taxa de juros bancários: ADCT/88, art. 25: L. 4.595/64: não revogação. 1.Validade da aplicação ao caso, da L. 4.595/64, na parte em que outorga poderes ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre as taxas de juros bancários, uma vez que editada dentro do prazo de 180 dias estipulado pelo dispositivo transitório, quando o Poder Executivo possuía competência para dispor sobre instituições financeiras e suas operações: indiferente, para a sua observância, que tenha havido ou não a prorrogação admitida no art. 25 do ADCT; portanto, não há falar em revogação da Lei 4.595/64. 2.RE provido, para determinar que o Tribunal a quo reaprecie a demanda tem do em conta o disposto na L. 4.595/64."

( RE XXXXX , Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 24/05/2005, DJ XXXXX-10-2006 PP-00063 EMENT VOL-02252-03 PP-00563 LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 190-214)



É sabido que a instituição financeira é integrante do Sistema Financeiro Nacional, sendo autorizada, supervisionada e fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, no âmbito de atribuições conferidas pela mencionada lei (nº 4.595/1964).

Nesses termos, eventual questionamento quanto à sua legitimação frente aos atos próprios conferidos às instituições financeiras deve ser realizado em via própria, observando-se a competência federal que se impõe sobre a questão, devendo-se considerar, sobretudo, que ela possui legitimidade processual para responder pelos termos da ação e a discussão do negócio jurídico é afeto ao mérito recursal.

Com essas considerações, peço vênia ao Relator, eminente Desembargador Antônio Bispo, para acompanhar a divergência instaurada pelo Primeiro Vogal, eminente Desembargador José Américo Martins da Costa, ressalvando apenas meu posicionamento no sentido de serem abusivos juros remuneratórios que superam uma vez e meia a média de mercado divulgada pelo Banco Central.

DES. MAURÍLIO GABRIEL

No mérito, ponho-me de acordo com o voto proferido pelo eminente 1º Vogal, Desembargador José Américo Martins da Costa.

JD. CONVOCADO FERRARA MARCOLINO

MÉRITO

Peço vênia ao E. Relator para acompanhar o voto do E. Primeiro Vogal.





SÚMULA: "REJEITARAM A PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO SEGUNDO RECURSO, VENCIDO O RELATOR. REJEITARAM A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA SUSCITADA PELO RELATOR. NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO APELO, VENCIDO PARCIALMENTE O RELATOR."

1 Lei 5.172 de 25 de outubro de 1966

1 Citado por Moacir Amaral Santos, in Comentários ao Código de Processo Civil, da Forense 5ª Edição às paginas 396

2 Op. Citado página 407

3 Art. 40 do CPP Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/1302090370/inteiro-teor-1302090426