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18 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais
há 5 anos

Detalhes

Processo

Publicação

Julgamento

Relator

Moacyr Lobato
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Inteiro Teor



EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE CLANDESTINO DE PASSAGEIROS. PREVISÃO DE SANÇÕES. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. APREENSÃO. CONTEÚDO DA LEI ESTADUAL 19.445/2011 QUE EXTRAPOLA O PREVISTO NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. NÃO APLICAÇÃO DE MULTA. JUSTIÇA GRATUITA. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.

- Viola direito líquido e certo do impetrante, a aplicação de medida administrativa não prevista pela legislação aplicável à infração de trânsito cometida.

- De acordo com o art. 231, VIII, do Código de Trânsito Brasileiro, ao transporte irregular de passageiros deve ser aplicada a medida administrativa de retenção do veículo, não autorizado à Lei Estadual estatuir penalidade mais severa de apreensão para posterior liberação do veículo, porquanto cabe à União legislar privativamente sobre trânsito e transporte.

- À vista da ilegalidade da possibilidade de apreensão do veículo, também se mostra ilegítima a exigência do pagamento de multas vencidas, taxas, despesas com transbordo dos passageiros, remoção e estada para sua liberação - prevista no artigo 7º da Lei Estadual nº 19.445/2011.

- Ausentes, nos autos, elementos capazes de comprovar a alegada insuficiência da parte agravante, deve ser indeferido o benefício da gratuidade da justiça. V.V.P.

EMENTA: LIMINAR. LEI ESTADUAL Nº 19.445/2011. IMPEDIMENTO. MULTAS. MATÉRIA JÁ APRECIADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E PELO ÓRGÃO ESPECIAL DESTE TRIBUNAL.

A concessão de liminar, no mandado de segurança, é condicionada. Não possui caráter de tutela de urgência, mas objetiva viabilizar direito líquido e certo que, de outro modo, tornar-se-ia inviável. Assim, para que a liminar seja deferida, é imprescindível a comprovação da relevância dos fundamentos do pedido e a possibilidade de ineficácia final da sentença.

- Segundo entendimento do STF, julgado sob regime de repercussão geral: "RECURSO. Agravo convertido em Extraordinário. Competência privativa da União para legislar. Trânsito e transporte. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. Reafirmação da jurisprudência. Recurso improvido. É incompatível com a Constituição lei municipal que impõe sanção mais gravosa que a prevista no Código de Trânsito Brasileiro, por extrapolar a competência legislativa do município. (ARE XXXXX RG, Relator (a): Min. MINISTRO PRESIDENTE, julgado em 16/06/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-167 DIVULG XXXXX-08-2011 PUBLIC XXXXX-08-2011 EMENT VOL-02577-02 PP-00232 REVJMG v. 62, n. 198, 2011, p. 407-409).

- Definida pelo STF a matéria atinente à inconstitucionalidade de leis municipais e estaduais que impõem penalidades aplicáveis para o transporte remunerado irregular de passageiros mais gravosas do que a prevista em legislação federal (Código de Trânsito Brasileiro), por ofensa ao disposto no art. 22, XI, CF/88, deve ser o julgado observado por este Tribunal, como já vem ocorrendo.

- Com efeito o c. Órgão Especial deste eg. Tribunal de Justiça, no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade n. 1.0079.07.382307-6/002, cujo objeto era lei similar do Município de Contagem, reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo que também cominava a pena de apreensão do veículo flagrado realizando transporte clandestino de passageiros naquela Municipalidade.

- E, recentemente, a própria Lei Estadual n. 19.445/2011, foi objeto de apreciação no Incidente de Inconstitucionalidade n.º 1.0024.12.132317-4/004 pelo referido Órgão Especial, o qual por maioria julgou procedente. Posteriormente, foi alterado pelo julgamento dos embargos declaratórios nº 1.0024.12.13231-4/005, ficando expressamente declarada a inconstitucionalidade do inciso II do art. 6º e do art. 7º da Lei Estadual nº 19.445/2011.

AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0000.18.087834-0/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE (S): MANOLO DE BRITO DA SILVA - AGRAVADO (A)(S): DETRAN MG, DIRETOR GERAL DO DEPARTAMENTO DE EDIFICAÇÕES E ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE MINAS GERAIS, ESTADO DE MINAS GERAIS, DEER

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO EM PARTE O RELATOR.

DES. MOACYR LOBATO

RELATOR.





DES. MOACYR LOBATO (RELATOR)



V O T O

Trata-se de agravo de instrumento com pedido liminar interposto por MANOLO DE BRITO DA SILVA em face da decisão interlocutória (doc. ordem nº 7) proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos do"Mandado de segurança c/c pedido de liminar", apontando como autoridades coatoras o Sr. DIRETOR do DETRAN-MG DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DE MINAS GERAIS e o DEPARTAMENTO DE EDIFICAÇÕES E ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE MINAS GERAIS - DEER/MG, indeferiu o pedido liminar formulado no intuito de que o impetrante possa retirar,"sem a exigência do pagamento da multa, conforme Art. 151, V, do Código Tributário Nacional, o impedimento lançado em seu veículo de placa HGG-3128, uma vez que as multas foram aplicadas de forma arbitrária bem como para que sejam retirados quaisquer impedimentos administrativos de restrição decorrentes do não pagamento das citadas multas previstas na Lei 19.445/11"e determinou a intimação do impetrante para recolher as custas ou justificar o pedido de gratuidade judiciária.

Em suas razões, o agravante sustenta, inicialmente, que faz jus ao benefício da assistência judiciária gratuita, em razão de não possuir condições econômicas de arcar com as custas, sem prejuízo de seu sustento. No mérito, alega, em síntese, que teve o seu veículo de placa HGG-3128 autuado em diversas ocasiões, por agentes de operação e fiscalização do DEER/MG, sob alegação de que estaria realizando transporte intermunicipal remunerado de passageiros sem qualquer delegação do poder público e, em consequência das alegações, sofreu aplicação de multas fundamentadas no artigo 2º, inciso I c/c artigo 6º, ambos da Lei Estadual 19.445/2011.

Aduz, também, que o impedimento inscrito em seu veículo foi realizado em discordância com a legislação, tendo em vista que realiza transporte de passageiros na modalidade de fretamento, não se aplicando a Lei Estadual 19.445/2011, bem como que a penalidade, além de não estar prevista na Lei 19.445/11, foi aplicada sem o contraditório e a ampla defesa.

Defende que, conforme o art. 22, XI da CRFB/88, compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte, de forma que a lei estadual não pode criar penalidade mais gravosa do que o previsto na Lei Federal, o Código de Trânsito Nacional.

Ademais, aduz que já fora declarada a inconstitucionalidade da Lei Estadual 19.445/11, sobretudo considerando a determinação de apreensão e condicionando a liberação do veículo ao pagamento da multa ali prevista, configurando dupla penalidade com a multa prevista no Código de Trânsito.

Ao final, pugna pela antecipação dos efeitos da tutela recursal e, no mérito, pelo provimento do recurso.

Pelo despacho de ordem nº 49 foi deferido o processamento do presente agravo na modalidade de instrumento, oportunidade na qual restou concedida a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar a retirada do impedimento do veículo de placa HGG-3128, sem exigência do pagamento de multa.

Devidamente intimados, o DEPARTAMENTO DE EDIFICAÇÕES ESTRADAS E RODAGEM DO ESTADO DE MINAS GERAIS - DEER/MG, apresentou contraminuta (doc. ordem nº 53).

Por sua vez, a autoridades coatora o Sr. DIRETOR do DETRAN-MG DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DE MINAS GERAIS se manteve inerte.

Parecer da d. Procuradoria-Geral de justiça, opinando pelo desprovimento do recurso.

Em despacho de ordem nº 55, foi determinada a intimação da parte agravante para trazer aos autos elementos que permitissem o reconhecimento da hipossuficiência alegada, de forma a possibilitar a análise do pedido de gratuidade da justiça.

Devidamente intimado, o agravante se manteve inerte, conforme atesta o comprovante de decurso de prazo.

É o relatório.

Passo a decidir.

Conforme se depreende dos autos, o agravante impetrou Mandado de Segurança com pedido liminar no intuito de determinar que as autoridades apontadas como coatoras permitam a retirada do impedimento lançado em seu veículo de placa HGG-3128, sem aplicar a penalidade de multa, vez que alega terem sido aplicadas de forma arbitrária.

Nos termos do que asseveram as normas de regência do mandado de segurança, em especial o disposto no artigo 5º, inciso LXIX e LXX, da Constituição da Republica, bem como o artigo 1º da Lei nº 12.016/09, o mandado de segurança destina-se à proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade coatora não amparado por"habeas corpus"ou"habeas data", independentemente da categoria ou da função.

De tal sorte, são requisitos fundamentais à propositura do mandado de segurança, a explanação do direito líquido e certo do impetrante que tenha sido lesado ou ameaçado de lesão praticada por autoridade coatora.

Mesmo que possa ser de cunho repressivo ou preventivo, indispensável à demonstração, pelo impetrante, de efetiva violação ou ameaça ao direito líquido e certo.

Assim é o entendimento de Hely Lopes Meireles:

O mandado de segurança normalmente é repressivo de uma ilegalidade já cometida, mas pode ser preventivo de uma ameaça de direito líquido e certo do impetrante. Não basta a suposição de um direito ameaçado; exige-se um ato concreto que possa pôr em risco direito do postulante.

Desse modo, qualquer que seja a natureza da segurança pretendida pelo impetrante, indispensável à demonstração de um ato concreto que ponha em risco direito líquido e certo do postulante.

Sobre o conceito de direito líquido e certo, vale citar Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

(...) é direito líquido e certo não o direito aplicável, mas o direito subjetivo defendido que, na impetração, puder ser provado de plano, documentalmente, sem necessidade de instrução probatória posterior, de modo que a eventual complexidade com que se apresentar este direito, por mais intrincada que se mostre, não descaracteriza o requisito de liquidez e certeza, para efeito de impetração do remédio. (Curso de Direito Administrativo, Ed. Forense, 13ª ed. 2003, págs. 597/598).

Na espécie, presente o requisito da certeza do direito alegado no exórdio, notadamente diante impedimento lançado ao veículo do impetrante e, ainda, porque o mandado de segurança também tutela o direito ameaçado de lesão diante da iminente possibilidade de apreensão do veículo mencionado alhures, pelo fato de realizar o transporte intermunicipal ilegal de passageiros.

A Lei Estadual nº 19.445/2011, ao tratar das sanções para quem pratica transporte irregular de passageiros, estabelece que:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se clandestino o transporte metropolitano ou intermunicipal remunerado de passageiros, realizado por pessoa física ou jurídica, em veículo particular ou de aluguel, que:

I - não possua a devida concessão, permissão ou autorização do poder concedente;

II - não obedeça a itinerário definido pela Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas - SETOP

(...)

Art. 6º Serão aplicadas à pessoa física ou jurídica que realizar transporte clandestino de passageiros as seguintes sanções:

I - multa de 500 Ufemgs (quinhentas Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais);

II - apreensão do veículo.

§ 1º O valor da multa prevista no inciso I deste artigo será duplicado a partir da primeira reincidência.

§ 2º A autoridade competente instaurará o devido processo administrativo, observadas as disposições legais aplicáveis, para processamento do auto de infração.

Art. 7º O veículo apreendido será recolhido ao depósito e nele permanecerá sob custódia e responsabilidade do órgão ou entidade competente, com ônus para seu proprietário.

§ 1º A restituição do veículo apreendido somente ocorrerá mediante o prévio pagamento das multas vencidas, taxas, despesas com o transbordo dos passageiros, remoção e estada.

§ 2º A despesa com a estada do veículo em depósito será de 25 (vinte e cinco) Ufemgs por dia, podendo ser cobrada somente até os trinta primeiros dias.

Em contrapartida, o Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal n. 9.503/1997), em seu artigo 231, inciso VIII, estabelece para quem efetuar o transporte remunerado de pessoas ou bens, sem licenciamento, a penalidade de multa e, como medida administrativa, a retenção do veículo, não havendo a previsão da apreensão do veículo.

Com efeito, a celeuma observada neste mandamus compreende a legalidade de apreensão do veículo do impetrante, em virtude da realização de transporte intermunicipal remunerado de pessoal sem a devida autorização, vez que a infração prevista na aludida norma estadual para essa circunstância difere do supracitado artigo 231 do Código de Trânsito Brasileiro quanto à penalidade de apreensão do bem.

A meu juízo, se a medida administrativa que determinou apreensão não é penalidade prevista na norma geral de trânsito (CTB - Lei nº 9.503/97), mostra-se ilegal e abusiva a apreensão contestada, ainda que baseada em norma estadual contida na Lei nº 19.445/2011.

Isso porque, a Lei nº 19.445/2011, ao estabelecer penalidade mais severa do que aquela única prevista no CTB, para a infração consubstanciada no transporte irregular de passageiros, lançou-se ao regramento de matéria de competência privativa da União, ferindo, assim, o disposto no artigo 22, inciso XI da Constituição:

Art. 22 - Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XI - trânsito e transporte;

Em casos análogos envolvendo a mesma matéria submetida ao exame do Tribunal, já se manifestou esta E. Corte a respeito do tema:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINARES. REJEITADAS. MÉRITO. DIREITO ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. LIMINAR. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. VEÍCULO APREENDIDO. SANÇÃO PREVISTA NA LEI ESTADUAL Nº 19.445/2011. INAPLICABILIDADE. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (ART. 22, INCISO XI, DA CR/88). SENTENÇA CONFIRMADA.

- É competência privativa da União, nos termos do art. 22, inciso XI, da CR, legislar sobre trânsito e transporte, razão pela qual a Lei Estadual nº 19.445/2011, ao cominar, para os casos de transporte clandestino de passageiros, a apreensão do veículo, além da pena de multa, extrapola o poder regulamentar dos Estados.

- Deve ser mantida a sentença que concede a segurança, para determinar a liberação do veículo apreendido em desconformidade com o previsto pelo Código de Trânsito Brasileiro. (TJMG - Ap Cível/Reex Necessário XXXXX-4/001, Relator: Des. Luís Carlos Gambogi, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento 10/07/2014, publicação 22/07/2014)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITMIDADE PASSIVA PRESENTE. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. TURISMO. APREENSÃO DE VEÍCULO E LIBERAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE MULTAS E ENCARGOS. PENALIDADES PREVISTAS NA LEI ESTADUAL Nº 19.445, DE 2011. SANÇÃO MAIOR DO QUE A PREVISTA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - CTB. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO LESADO. SEGURANÇA CONCEDIDA. SENTENÇA CONFIRMADA.

1. A legitimidade passiva, no mandado de segurança, decorre de a autoridade apontada como impetrada ter competência para determinar a prática de ato apontado como sendo omissivo ou desfazer o comissivo.

2. O Estado tem o poder-dever de fiscalizar todas as atividades lícitas e que envolvam o transporte de pessoas até mesmo para a segurança dos usuários.

3. Em razão da supremacia das normas, o ente federado, no exercício de sua competência concorrente, não pode extrapolar ou contrariar os princípios gerais das normas superiores de mesma matéria legislativa.

4. Constatada que a sanção imposta pelo DER de Minas Gerais, aplicada com base na Lei estadual nº 19.445, de 2011, excede a penalidade prevista no Código de Trânsito Brasileiro - CTB, Lei nº 9.503, de 1997, para o transporte irregular de passageiro, resta patente a violação do direito líquido e certo do administrado.

5. Remessa oficial e apelação voluntária conhecidas

6. Sentença que concedeu a segurança confirmada em reexame necessário, prejudicada a apelação voluntária e rejeitada uma preliminar. (TJMG - Ap Cível/Reex Necessário XXXXX-7/002, Relator: Des. Caetano Levi Lopes, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento 01/07/2014, publicação 14/07/2014)

REEXAME NECESSÁRIO - CONHECIMENTO DE OFÍCIO - APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS - ABSTENSÃO DE SE APLICAR A PENALIDADE DE APREENSÃO DO VEÍCULO - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - SANÇÃO PREVISTA - RETENÇÃO - UNIÃO - COMPETÊNCIA PRIVATIVA PARA LEGISLAR SOBRE TRÂNSITO E TRANSPORTE - CONCESSÃO DA ORDEM - SENTENÇA CONFIRMADA NO REEXAME NECESSÁRIO.

- O STF possui jurisprudência firmada no sentido de que compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte, estando os estados-membros e municípios impossibilitados de legislar sobre a matéria enquanto não autorizados por Lei Complementar (ADI's 2432, 2644 e 2432).

- Prevendo o Código de Trânsito Brasileiro apenas a sanção de retenção do veículo utilizado para transporte irregular de passageiros (art. 231, VIII), a previsão de sua apreensão, pelo art. 6º, II, da Lei Estadual 19.445/11, extrapola a regra de competência estabelecida pelo art. 22, XI, da CF/88. (TJMG - Apelação Cível XXXXX-4/003, Relator: Des. Barros Levenhagen, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento 29/05/2014, publicação 09/06/2014)

Acrescente-se, ainda, que, à vista da ilegalidade da possibilidade de apreensão do veículo da impetrante, também se mostra ilegítima a exigência do pagamento de multas vencidas, taxas, despesas com transbordo dos passageiros, remoção e estada para sua liberação - prevista no artigo 7º da Lei Estadual nº 19.445/2011.

Do acima transcrito, portanto, depreende-se que houve lesão ao direito líquido e certo do impetrante, dada a conduta ilegal da autoridade coatora de aplicar medida administrativa não prevista no Código de Trânsito Brasileiro para a infração praticada.

No tocante ao pedido de gratuidade judiciária, vale destacar que a gratuidade da justiça encontra amparo normativo no que estabelece o art. 5º, inciso LXXIV da Constituição da Republica, que dispõe:"O Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

A respeito, os dizeres de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR:

Denomina-se assistência judiciária o auxílio que o Estado oferece - agora, obrigatoriamente - ao que se encontra em situação de miserabilidade, dispensando-os das despesas, e providenciando-lhe defensor em juízo (Comentários à Constituição de 1998 - Editora Forense Universitária - 2ª edição - 1991, p. 819.)

É cediço que para a concessão do benefício não se exige miserabilidade, eis que a finalidade do instituto é assegurar a igualdade de todos perante a lei, tutelando os menos favorecidos economicamente.

Destarte, a finalidade da gratuidade da justiça é a de garantir que pessoas menos favorecidas economicamente tenham um acesso equânime ao Judiciário, porquanto, entender de modo diverso, pragmaticamente, acabaria por inibir a acessibilidade daqueles que dependem do benefício.

O Magistrado, para coibir o abuso e o uso indevido do instituto, deve se pautar em rigorosa e cautelosa análise da situação de cada postulante antes de se deferir o benefício.

Outrossim, as decisões judiciais devem sopesar um pensamento jurídico do possível, privilegiando, com apoio na propugnada solidariedade constitucional, o acesso dos verdadeiramente necessitados ao escasso aparato estatal.

No caso dos autos, em análise dos fatos e fundamentos da peça recursal, verifica-se que, mesmo após ter sido intimado para apresentar documentos hábeis a comprovar sua hipossuficiência (do. de ordem nº 55), o agravante manteve-se inerte, não trazendo aos autos qualquer elemento de convicção que demonstrasse sua necessidade em receber o amparo pleiteado.

Desta forma, não há comprovação da necessidade do deferimento da gratuidade da justiça, como estabelece o art. 98 do CPC, concluindo-se que inexistem razões concretas para a concessão do benefício almejado. Assim, oportunizado à parte, em segunda instância, apresentar elementos que caracterizam sua hipossuficiência e não tendo sido ela demonstrada, há que ser indeferido o pleito de gratuidade judiciária.

Nesse sentido, manifestou-se esta 5ª Câmara Cível:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - PEDIDO INDEFERIDO - DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA - PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE - DESCONSIDERAÇÃO - INDÍCIOS DE CAPACIDADE DE FINANCEIRA - INDEFERIMENTO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA - CONFIRMAÇÃO - PRECEDENTES - DESPROVIMENTO.

- A Corte Superior do TJMG, atual Órgão Especial, no julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 1.0024.08.093413-6/002, entendeu que, nos casos em que o magistrado tenha fundada dúvida a respeito da veracidade da declaração de hipossuficiência financeira apresentada pelo requerente do benefício da justiça gratuita, há a possibilidade de condicionar a concessão da benesse à comprovação da condição econômica declarada.

- Ausentes, nos autos, elementos hábeis a afastar a capacidade financeira para arcar com o pagamento das custas processuais e honorários de advogado, sugerida pelo contracheque apresentado pelo agravante, não faz jus a parte ao benefício da gratuidade judiciária". (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv XXXXX-1/001, Relatora: Desª. Lílian Maciel Santos (JD Convocada), 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/10/0017, publicação da sumula em 27/10/2017).

Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para reformar a decisão guerreada e conceder a medida liminar ao agravante, determinando-se que os agravados efetuem a liberação do veículo de placa HGG-3128, sem a aplicação de multa e, quanto ao pedido de gratuidade judiciária, NEGO PROVIMENTO.

Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos acima expostos.

Custas, ao final.



DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI

Peço vênia ao eminente Relator, Des. Moacyr Lobato, para acompanhar o entendimento divergente inaugurado pelo em. Desembargador 2º Vogal, por me sentir convencido de que será a melhor solução jurídica para o caso; por não vislumbrar melhores, adoto os mesmos fundamentos do em. Des. Wander Marotta.

É como voto.



DES. WANDER MAROTTA

V O T O

Examina-se agravo de instrumento interposto por MANOLO DE BRITO DA SILVA contra a r. decisão interlocutória (doc. ordem nº 7) proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, que, nos autos de "Mandado de Segurança" que aponta como autoridades coatoras o Sr. DIRETOR do DETRAN-MG DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DE MINAS GERAIS e o DEPARTAMENTO DE EDIFICAÇÕES E ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE MINAS GERAIS - DEER/MG, indeferiu o pedido de liminar formulado no intuito de que o impetrante possa retirar, "sem a exigência do pagamento da multa, conforme Art. 151, V, do Código Tributário Nacional, o impedimento lançado em seu veículo de placa HGG-3128, uma vez que as multas foram aplicadas de forma arbitrária, bem como para que sejam retirados quaisquer impedimentos administrativos de restrição decorrentes do não pagamento das citadas multas previstas na Lei 19.445/11", além de determinar a intimação do impetrante para recolher as custas ou justificar o pedido de gratuidade judiciária.

O culto Relator, Des. Moacyr Lobato, dá PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para reformar a decisão e conceder a medida liminar ao agravante, determinando-se que os agravados efetuem a liberação do veículo de placa HGG-3128, sem a aplicação de multa, e, quanto ao pedido de gratuidade judiciária, NEGOU PROVIMENTO.

A meu ver, há um esclarecimento a ser feito.

As multas devidas em razão da APREENSÃO do veículo agravante não são, de fato, devidas; mas são devidas as multas previstas no artigo 6º, inciso I, da Lei 19.445/2011, devendo ser feita a diferenciação.

Nos termos da Lei 19.455/2011:

Art. 6º Serão aplicadas à pessoa física ou jurídica que realizar transporte clandestino de passageiros as seguintes sanções:

I - multa de 500 Ufemgs (quinhentas Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais);

II - apreensão do veículo.

§ 1º O valor da multa prevista no inciso I deste artigo será duplicado a partir da primeira reincidência.

§ 2º A autoridade competente instaurará o devido processo administrativo, observadas as disposições legais aplicáveis, para processamento do auto de infração.

Art. 7º O veículo apreendido será recolhido ao depósito e nele permanecerá sob custódia e responsabilidade do órgão ou entidade competente, com ônus para seu proprietário.

§ 1º A restituição do veículo apreendido somente ocorrerá mediante o prévio pagamento das multas vencidas, taxas, despesas com o transbordo dos passageiros, remoção e estada.

(...)



É de se registrar que a questão relativa à competência suplementar dos Estados e Municípios para legislar sobre trânsito e transporte, com imposição de sanções mais gravosas que aquelas previstas no CTB, já foi objeto de Repercussão Geral no Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 639.496 RG-MG, oportunidade em que aquela Corte concluiu que, dada a inexistência de lei complementar da União que autorize legislação sobre a questão, na forma do parágrafo único do art. 22 da CF/1988, não poderia o ente estatal e/ou municipal editar leis sobre a matéria. Nesse sentido:

RECURSO. Agravo convertido em Extraordinário. Competência privativa da União para legislar. Trânsito e transporte. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. Reafirmação da jurisprudência. Recurso improvido. É incompatível com a Constituição lei municipal que impõe sanção mais gravosa que a prevista no Código de Trânsito Brasileiro, por extrapolar a competência legislativa do município. (ARE XXXXX RG, Relator (a): Min. MINISTRO PRESIDENTE, julgado em 16/06/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-167 DIVULG XXXXX-08-2011 PUBLIC XXXXX-08-2011 EMENT VOL-02577-02 PP-00232 REVJMG v. 62, n. 198, 2011, p. 407-409).

Assim, num primeiro momento, o que se decidiu é que não pode não pode, nem a lei estadual, nem a municipal, prever penalidades de natureza diversas para a infração capitulada no art. 231, inciso VIII, do Código de Trânsito Brasileiro, porquanto compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte ("ex vi"do art. 22, inciso XI, CR).

O art. 231, inciso VIII, do CTB, determina que quando o transporte remunerado de pessoas ou bens não estiver licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente, deverá ser punido com a penalidade de multa, podendo ainda ser aplicada concomitantemente a medida administrativa de retenção do veículo. Mas, de fato, não há, portanto, previsão no CTB quanto à possibilidade de apreensão do automotor em tais casos.

Ressalta-se que, em consonância ao entendimento supra, o c. Órgão Especial deste eg. Tribunal de Justiça, no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade n. 1.0079.07.382307-6/002, cujo objeto era lei similar do Município de Contagem, reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo que também cominava a pena de apreensão do veículo flagrado realizando transporte clandestino de passageiros naquela Municipalidade.

A própria Lei Estadual n. 19.445/2011, foi objeto de apreciação no Incidente de Inconstitucionalidade n.º 1.0024.12.132317-4/004 pelo referido Órgão Especial. Posteriormente, foi alterado pelo julgamento dos embargos declaratórios nº 1.0024.12.13231-4/005. A propósito, confiram-se as ementas:



EMENTA: INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL Nº 19.445/2011 - TRANSPORTE INTERMUNICIPAL CLANDESTINO DE PASSAGEIROS - APREENSÃO DE VEÍCULO - LIBERAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE MULTAS E DESPESAS PELA APREENSÃO - MATÉRIA SENDO APRECIADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - IRRELEVÂNCIA DO INCIDENTE REJEITADA - SUSPENSÃO DO FEITO REJEITADA - INCOMPETÊNCIA DO ESTADO PARA DISPOR SOBRE MATÉRIA JÁ PREVISTA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - OFENSA AO ART. 22, XI, DA CR/88 - INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL - REPRESENTAÇÃO ACOLHIDA.

- Considerando que a Excelsa Corte ainda não enfrentou, especificamente, a questão relacionada ao transporte irregular de passageiros e a eventuais infrações aplicadas aos respectivos condutores dos veículos, é necessário proceder ao distinguishing, para se concluir pela relevância do presente incidente. Não procede o sobrestamento do incidente pelo simples reconhecimento da repercussão geral pelo STF. A repercussão é reconhecida apenas com relação aos recursos para aquela Corte, ainda pendentes de julgamento, conforme se infere do disposto no art. 543-B, do CPC. A suspensão dos feitos que não se enquadram na referida hipótese só poderá ocorrer por determinação do STF, o que não ocorre na hipótese em exame.

- Tem-se por inconstitucional os dispositivos de lei estadual que criam penalidades diversas, mais severas do que aquela estabelecida na legislação de trânsito (CTB), para a infração de transporte clandestino de passageiros, expedida no exercício da competência privativa da União (artigo 22, XI, Constituição da Republica).

(TJMG, Inc. Inconstitucionalidade n.º 1.0024.12.132317-4/004, Órgão Especial, Rel. Des. ELIAS CAMILO, j. 23/02/2015, DJe. 20/03/2015.)

Observa-se, todavia, que quando do julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão do aludido incidente de constitucionalidade decidiu-se pela persistência da multa da legislação estadual, conforme se extrai do trecho do voto do Des. Elias Camilo:



(...) Já no tange aos segundos embargos, verifico que, embora não haja obscuridade, há, de fato, contradição no acórdão embargado, na medida em que, apesar de ressaltar a competência suplementar do Estado de Minas Gerais para elaborar regras próprias, desde que não crie penalidades diversas, mais severas do que aquelas estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro, declarou a inconstitucionalidade também do inciso I, do art. 6º, da Lei Estadual nº 19.445/2011, que prevê a aplicação de multa de 500 Ufemgs, em conformidade com o artigo 231, VIII, do CTB, que estabelece a penalidade (multa) e a medida administrativa (retenção), no caso do transporte remunerado de pessoas ou bens, não licenciado para esse fim.

(...)

Com tais considerações, rejeito os primeiros embargos de declaração e acolho parcialmente os segundos embargos, para sanar a contradição apontada, nos termos acima expostos, alterando, consequentemente o dispositivo vergastado para acolher parcialmente a representação, declarando a inconstitucionalidade do inciso II, do art. 6º e do art. 7º, da Lei Estadual nº 19.445/2011. (TJMG - Embargos de Declaração-Cv XXXXX-4/005, Relator (a): Des.(a) Elias Camilo , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 19/08/2015, publicação da sumula em 28/08/2015).



Assim, o Órgão Especial deste Tribunal considerou que a penalidade da Lei nº 19.445/2011 - no valor de 500 Ufemgs -, é compatível com Lei Federal haja vista a disposição do art. 231, VII, do CTB.

Diante do exposto, também voto pelo parcial provimento do recurso a fim de que os agravados efetuem a liberação do veículo de placa HGG-3128, sendo devida, contudo, a multa de 500 Ufemgs prevista na Lei Estadual nº 19.445/2011, ao contrário do entendimento do culto Relator; e deve ser indeferido o pedido de gratuidade judiciária do apelante nos termos do doutop voto antecedente.

Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos acima expostos.





SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO EM PARTE O RELATOR."
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