2 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Publicado por Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Câmaras Cíveis Isoladas / 3ª CÂMARA CÍVEL
Publicação
16/09/2011
Julgamento
8 de Setembro de 2011
Relator
Dídimo Inocêncio de Paula
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Inteiro Teor
EMENTA: REEXAMENE NECESSÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS. SERVIDOR MUNICIPAL. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ESPECÍFICA NA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. INCAPLICABILIDADE DO ANEXO 14 DA NR-15 E DA CLT. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS.
Tendo em vista que a administração pública está jungida ao princípio da legalidade e inexiste lei municipal específica a sufragar ao cargo do autor o adicional de insalubridade ou mesmo critérios aptos a encontrar os cargos que fariam jus a tal adicional, bem como em que percentagem, inviável a procedência dos pedidos iniciais.
APELAÇÃO CÍVEL
Nº 1.0134.09.129823-9/001
COMARCA
CARATINGA
MUNICÍPIO BOM JESUS GALHO
APELANTE (S)
EDSON GONÇALVES LIBERATO
APELADO (A)(S)
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REFORMAR A SENTENÇA, EM REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO, VENCIDA A REVISORA.
Belo Horizonte, 08 de setembro de 2011.
DES. DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA,
RELATOR.
DES. DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação aforado contra sentença de f. 94/98, que julgou procedente o pedido do autor, prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da comarca de Caratinga, nos autos de ação declaratória c/c cobrança e obrigação de fazer movida por Edson Gonçalves Liberato em face do Município de Bom Jesus do Galho.
Inconformado com a sentença, apelou o réu às f. 102/108 alegando, em síntese, que o artigo 73 da Lei Municipal nº. 741/93 é uma norma incompleta, carecendo de regulação legal, tendo em vista que não dispõe sobre o percentual de insalubridade aplicável.
Recurso respondido.
É o relatório.
Preambularmente, conheço de ofício do reexame necessário, porquanto se trata de sentença ilíquida, bem como do recurso voluntário, uma vez presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
DESA. ALBERGARIA COSTA (REVISORA)
V O T O
Conheço do reexame necessário e do recurso de apelação, uma vez presentes os pressupostos de admissibilidade.
Questões Preliminares - Do julgamento "ultra petita"
De ofício, suscito a preliminar de julgamento "ultra petita", pois conforme se depreende dos pedidos iniciais, o autor requereu a condenação do Município ao pagamento retroativo de dezembro de 2005 a dezembro de 2009.
Todavia, o magistrado, em seu decisum, impôs ao réu a obrigação de restituir os valores não pagos referentes ao período de 16/12/2004 a 16/12/2009, realizando, portanto, julgamento além do que fora postulado.
Segundo o princípio da correlação é defeso ao juiz decidir aquém (citra), fora (extra) ou além (ultra) daquilo que lhe foi apresentado de tal forma que, sua inobservância, torna viciada a sentença, podendo, inclusive, culminar na nulidade do ato.
Necessário, dessa forma, que sejam decotadas as condenações além do postulado na peça exordial.
DES. DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA (RELATOR)
V O T O
Acolho a preliminar de sentença ultra petita nos exatos termos do voto da ilustre Desembargadora Revisora.
DES. ELIAS CAMILO SOBRINHO
V O T O
Acompanho a eminente Revisora quanto à preliminar suscitada.
DES. DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA (RELATOR)
V O T O
Superada a preliminar, passo ao deslinde do mérito.
O recorrente é servidor estatutário do Município de Bom Jesus do Galho e exerce a função de "gari", razão pela qual requer seja deferido a ele adicional de insalubridade, no percentual de 40%, em virtude do disposto no artigo 73, da Lei Municipal 741/93, assim como do Anexo 14 da NR-15 e do artigo 192 da CLT.
Pois bem.
Registre-se que, com o advento da EC 19/1998, que conferiu nova redação ao § 3º do art. 39 da Constituição Federal de 1988, o adicional de insalubridade deixou de ser um benefício obrigatoriamente extensivo aos servidores públicos, embora não seja vedado o seu pagamento, desde que haja previsão legal do respectivo ente federado.
A administração pública, como é cediço, está adstrita ao princípio da legalidade, de modo que toda a eficácia de sua atividade está condicionada ao atendimento da lei.
Vale sempre relembrar que, enquanto ao particular é dado fazer tudo aquilo que a lei que não proíbe, à administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.
Nesse sentido, imprescindível perpassar pela legislação municipal para o desate da controvérsia. Vejamos o que dispõe o artigo 73 da Lei Municipal 741/93:
Art. 73 - Os funcionários que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas ou com risco de vida fazem jus a um adicional dobre vencimento do cargo efetivo.
Da leitura do dispositivo supracitado restam algumas perguntas. Quais cargos fariam jus ao adicional de insalubridade? Em quais percentagens? Os cargos e as percentagens seriam aferidos por meio de laudo pericial?
A estas perguntas a legislação municipal não responde. Indubitavelmente o artigo 73 da Lei Municipal 741/93 carece de regulamentação a lhe dar aplicabilidade.
E, com efeito, a matéria atinente ao tema servidor público que é de competência comum, permite a cada ente autonomia para regulamentação do tema, devendo observância apenas à Constituição da Republica, ex vi do artigo 39, desta, que estabelece que "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas".
Deste modo, ausente na Lei Municipal qualquer remissão ao Anexo 14 da NR-15 ou mesmo ao artigo 192 da CLT, não vejo como aplicá-los na presente hipótese.
Ora, tendo em vista que a administração pública está jungida ao princípio da legalidade e inexiste lei municipal específica a sufragar ao cargo do autor o adicional de insalubridade ou mesmo critérios aptos a encontrar os cargos que fariam jus a tal adicional, bem como em que percentagem, entendo inviável a procedência do pleito autoral.
Desse sentido não discrepa a jurisprudência:
"EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. CONCESSÃO DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA SEGURANÇA. Mesmo que comprovado o exercício de atividade considerada insalubre pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a ausência de legislação municipal regulamentando a matéria impede a concessão do referido adicional, faltando liquidez e certeza do direito ao benefício pleiteado"1.
"EMENTA: Servidor público. Adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. Art. 7º, XXIII, da Constituição Federal. - O artigo 39, § 2º, da Constituição Federal apenas estendeu aos servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios alguns dos direitos sociais por meio de remissão, para não ser necessária a repetição de seus enunciados, mas com isso não quis significar que, quando algum deles dependesse de legislação infraconstitucional para ter eficácia, essa seria, no âmbito federal, estadual ou municipal, a trabalhista. Com efeito, por força da Carta Magna Federal, esses direitos sociais integrarão necessariamente o regime jurídico dos servidores publicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mas, quando dependem de lei que os regulamente para dar eficácia plena aos dispositivos constitucionais de que eles decorrem, essa legislação infraconstitucional terá de ser, conforme o âmbito a que pertence o servidor público, da competência dos mencionados entes públicos que constituem a federação. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido"2.
Destarte, em reexame necessário, reformo a sentença monocrática para julgar improcedentes os pedidos pórticos. Inverto o ônus da sucumbência, observadas as disposições da Lei 1.060/50. Prejudicado o recurso voluntário.
Custas recursais pelo recorrido, suspensas por estar litigando sob o pálio da assistência judiciária.
É como voto.
DESA. ALBERGARIA COSTA (REVISORA)
V O T O
Questão Prejudicial de Mérito - Da Prescrição
Insta ressaltar que a hipótese em tela abrange reflexos jurídicos típicos de relação de trato sucessivo, em que a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio que precedeu ao ajuizamento da ação, nos termos da Súmula n.º 85 do STJ.
Como o autor não postulou o recebimento das parcelas abarcadas pela prescrição qüinqüenal, ultrapasso a prejudicial.
Questões de Mérito
O cerne da controvérsia reside na possibilidade de concessão do adicional de insalubridade ao coletor de lixo urbano.
Da análise do conjunto probatório produzido nos autos, conclui-se que o apelado laborou como gari desde 1997, quando foi admitido no quadro dos servidores do Município de Bom Jesus do Galho.
O apelante não logrou êxito em comprovar o fornecimento de equipamento de proteção individual - EPI. Ao contrário, a testemunha arrolada manifestou que o ente público não fornecia sequer luva de proteção e que o autor já contraiu doenças em virtude do contato com o lixo.
No entanto, mesmo que houvesse a comprovação do fornecimento de EPI, o que não ocorreu, ainda assim se materializaram os efeitos da insalubridade, pois não anulariam os reflexos oriundos do contato com o lixo.
O pagamento da insalubridade é previsto no Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Bom Jesus do Galho em seu art. 63, III, in verbis:
Art. 63 - Além dos vencimentos e das vantagens previstas nesta lei serão deferidos aos funcionários as seguintes gratificações e adicionais:
(...)
III - adicional pelo exercício de atividade insalubres, perigosas ou penosas.
Uma vez presente a disposição legal para o pagamento do adicional pleiteado, cumpre observar se presente a comprovação da insalubridade e o seu grau. Conforme entendimento jurisprudencial uniforme, esta é feita por exame pericial, sendo, também, admitidos outros meios de prova.
No caso em apreço, evidente que o contato rotineiro com resíduos de lixo, inclusive hospitalar, caracteriza condição insalubre de trabalho.
O Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 do Ministério do Trabalho e Emprego dispõe que a insalubridade causada por agentes biológicos em razão do trabalho ou operação permanente com lixo urbano, seja em sua coleta, seja em sua industrialização, deve ser fixada em grau máximo.
Portanto, o apelado faz jus ao adicional de insalubridade em seu grau máximo, ou seja, 40% (quarenta por cento) do padrão de vencimento da categoria.
No que tange à correção monetária e aos juros moratórios, tenho entendimento firmado que esses devem ser fixados em conformidade com a redação do art. 1º-F da Lei 9.494/97 vigente à época do ajuizamento da ação, a contar da citação válida até o respectivo pagamento.
Por fim, quanto aos honorários advocatícios, tem-se que o importe fixado pelo magistrado deverá ser minorado para 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, para melhor atender aos requisitos do art. 20, § 4º do CPC, em razão da pouca complexidade da causa, já reiteradamente decidida por este Tribunal, além de remunerar com dignidade o patrono da causa.
Ante o exposto, rogo vênia ao Relator e, em reexame necessário, DECOTO da condenação as parcelas retroativas não postuladas na inicial e REFORMO PARCIALMENTE a sentença tão somente para fixar os juros e correção monetária das parcelas pretéritas nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97 vigente à época do ajuizamento da ação, a contar da citação válida até o respectivo pagamento, bem como para minorar os honorários advocatícios para o importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Por fim, julgo PREJUDICADO o recurso de apelação.
Custas na forma de Lei.
É como voto.
DES. ELIAS CAMILO SOBRINHO
V O T O
No mérito, pedindo vênia a eminente Revisora, acompanho o voto proferido pelo eminente Relator para, em reexame necessário, reformar a sentença para julgar improcedente o pedido inicial.
É como voto.
- SÚMULA: "REFORMARAM A SENTENÇA, EM REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁTIO, VENCIDA A REVISORA"
1 TJMG, APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0056.09.207769-4/001. Rel. Des.(a) MARIA ELZA. DJ: 24/09/2009. DP: 14/10/2009.
2 STF, RE 169173/SP. Rel. Min. MOREIRA ALVES. PRIMEIRA TURMA. Julgamento: 10/05/1996. Publicação: DJ 16-05-1997 PP-19965.
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